domingo, 30 de dezembro de 2018

E no fim, eu insisto em recomeçar

Primeiro você terá que sobreviver. E ficará grato e maravilhado diante de tanta audácia. Muitos teriam perecido, ou desistido - surpreendentemente, até pra si mesmo, você não.

Superada a dor que lhe dilacerou o peito, você percebe que insistentemente seu coração continuou a bater, e seu ritmo não se perdeu. Ele bate, mesmo que contra sua vontade, e marca o tempo e seu compasso. O tempo que se passou, e não volta mais. Te leva ao futuro - só a insistência de um coração teimoso pode levar-nos até o próximo ato.

É nesse ato que a magia ocorre. É aqui, após a destruição, e a sobrevivência que você se vê. Despido de toda culpa, de todo julgamento. Você se olha. Projeto básico, sem detalhes, e enxerga apenas sua essência.

Eu me vi antes, porém demorou até hoje para que pudesse entender - sou louca. A loucura fantasiada de tanta coisa - todas as armaduras que carrego ao longo dos dias, que muitos viam e diziam, e eu negava. Louca.

Cada loucura é única - e a minha é tão insana que foi capaz de maravilhar-me, arrancar-me um sorriso e fazer-me apaixonar-me por mim de novo (e como trouxe-me paz ser amada novamente): eu não desisto de mim. Eu não desisto de ser feliz em mim, e no outro. Eu insisto em persistir na busca.

Talvez tenha fracassado em todas às vezes até aqui: escolhi uma profissão que já me frustrou; tentei ser uma filha perfeita, e - pasmem - não consegui; tornei-me servidora pública e odiei o sistema; trabalhei pra ter grana - consegui a grana, e foi bom, mas ela não me completou. Acreditei no amor sempre que consegui, e ele sempre me decepcionou.

Mas eu não desisti. Minha loucura é seguir a busca. Eu acordo todo dia disposta a me dar uma nova chance. E foi assim que me perdoei por não ser a filha que meu pai sonhou; nem amiga de coração mais manso. Que percebi que odiava meu trabalho, mas amava meu emprego, e me permiti amar algumas pessoas que o compartilhavam comigo.
Foi por insistir que me olhei e vi muito além daquilo que foi deixado para trás pelos amores que amei - eu sou bondade, eu sou a crença de que tudo vai ficar bem.

Eu sou sonhadora. Sou aquela que faz planos com o prêmio da loteria, mesmo sabendo que a a probabilidade - que eu não entendo (e é melhor assim) está contra mim. Eu vejo o copo sempre cheio, e se não, acredito que posso enchê-lo: água, ar, sonhos, meus vazios, caipirinha.

Assim, eu sou a apaixonada pelas causas impossíveis, sejam cães abandonados, vegetarianismo, adoção, pessoas. Elas, as causas, não se extinguem, entretanto elas me fazem querer fazer mais - nunca perto da solução, porém um pouco mais distante do caos. Eu sigo - acreditando, e insistindo até que um dia, ao ouvir o meu coração, repicando em seu ritmo sempre feliz, eu perceba que ele não bate mais sozinho - que encontrou parceria e vai fazer bateria. Insisto na alegria, até que um dia, todo dia em minha vida será carnaval.

E no fim, eu insisto em recomeçar.

Seja bem vindo 2019, venha como vier, receber-te-ei com meu melhor

Carta àquele que não me foi permitido amar

Estar doente. A doença não nos define, ou não deveria nos definir. Não somos o câncer, a diabetes e o lúpus. Eles nos limitam às vezes, fazem com que atividades simples se transformem em uma luta.

Para cada doença, e para cada indivíduo, um tratamento diferente. É preciso tentar um método, se não estiver funcionando, é importante que novos tratamentos sejam testados. Sem abandonar aqueles que estão funcionando. Para diabéticos, por exemplo, é importante que haja controle da alimentação, medicação, tudo precisa ser controlado. Pessoas com câncer, por vezes, precisam de quimioterapia, radioterapia, cirurgia.

Nem sempre o paciente quer passar por isso. Às vezes dói. Às vezes é desconfortável. Mas faz parte do processo. Se optam por desistir do tratamento, a chance de recuperação depende de milagres... Nos quais eu não acredito.

Estar doente é aprender a lidar com as mazelas que a enfermidade traz, e com o tratamento, que nem sempre é rápido, eficiente, e agradável. É preciso ter coragem, é preciso ser forte. É preciso não se perder para a doença, e nem perder o bom humor. Ela precisa de você para existir, e não o contrário.

O fato de não controlar os sintomas pesa às vezes, é aí que precisamos de ajuda. De uma mão pra segurar a nossa. De um abraço. É isso que nos guia rumo a luz no fim do túnel. Mas se não seguramos essa mão, e vendamos nossos olhos para essa luz, esperança de dias melhores, estamos condenados a perecer.

Devemos ser tratados, mas principalmente, devemos nos tratar. Evitar comidas que nos aumente a glicose; a fumaça que nos enegrece os pulmões; pensamentos que nos pesam o coração.

Depressão é uma doença: tem tratamento, tem qualidade de vida, tem até felicidade. É possível ser feliz mesmo estando doente. Basta que a gente se permita, que a gente teste tudo, até aprender o que funciona. O aprendizado não virá te encontrar dentro de seu quarto. É preciso ir até ele, e deixar ele percorrer suas veias. Seja insulina, doxorrubicina ou serotonina.

Às vezes nos viciamos no tratamento. Aconteceu comigo, hoje busco dopamina, serotonina, ocitocina e alguns outros em qualquer lugar.

Quando tinha uns oito anos, li uma placa que dizia é loucura fazer sempre o mesmo, esperando resultados diferentes. Se quer ser diferente, é preciso mudar seus atos, pouco a pouco, e assim vá se refazendo.

Se você tem uma doença crônica, ela não irá embora, mas ela estará sob seu controle. Volto a repetir, você não é sua doença; é ela quem precisa de você para existir, e não o inverso. Dá pra deixar uma depressão tão pequena quanto uma pulga - que vai te picar às vezes, e te fazer coçar. Mas dá para ser feliz apesar disso. O que não dá é para deixar que ela seja sua bússola, um mamute sentado em seus ombros, determinando qual caminho você tem que seguir.

.
.
.
(Eu gosto de você, mas meus métodos para tentar te ajudar parecem ineficientes. Na verdade, minha presença parece desencadear em você sintomas indesejáveis. Manter-me ao seu lado não te ajudou. Eu tentei. Você me afugentou outras vezes, e eu insisti em ficar.

Resolvi te ouvir. Quero te ver bem, só então poderei te ter bem. Eu estou tentando fazer algo diferente, para que você possa ter um resultado diferente... Um resultado melhor, é minha esperança.

Sei que sua melhora não depende de mim, mas não quero ser o açúcar que te cega, te despedaça. Se não sou parte da sua solução, sinto-me parte do problema: e esse fardo é pesado, e não consigo carregar. Portanto, minha mão tá perto da sua, meu ombro tá do lado do seu: mas depende de você alcançar e se abrir a novas possibilidades, tratamentos alternativos, eu não serei a medicina tradicional na sua vida.

Eu sou a festa, a dança, e o riso. Eu sou a piada sobre coisa séria; eu sou o desafio. A escada para te ajudar a chegar do outro lado, mas a subida é toda sua.)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Traumas e cicatrizes


Traumas e medos: cicatrizes que mesmo após a ferida ter secado, fechado e de fato ter parado de doer, latejam. Lembram-nos dor e do mal, nos fazem sentir pena de nós mesmos, caídos ao chão, com lágrimas nos olhos, após a queda da bicicleta, ou o carrinho maldosamente aplicado no futebol do clube, ou ainda depois ter sido abandonado por alguém que parecia nos amar.

Carregamos no corpo físico, e no emocional, lembretes de incontáveis  desacertos, e carregamos em nossos ombros culpas que muita vezes sequer são nossas. Por vezes poderíamos ter evitado certos enganos, mas as vezes os enganos parecem tão certos: as palavras são assertivas, o sorriso escancarado, a mão sempre estendida a esperar pela sua. E essa mesma mão que esperava a sua, ou deveria te embalar em uma dança, canções de ninar ou em papel celofane te empurra. Pode ser que seu corpo esteja firme e não caia, e pode ser que despenque do sétimo andar e se quebre em mil pedaços. Não importa.

Importa que os pedaços estejam lá, e você possa reconstruí-los. Depois de cada tragédia de nossa vida devemos escolher onde colocar nossos cacos. Podemos escondê-los embaixo do tapete, e nos machucar cada vez que pisarmos ali – lembrando de nosso sofrimento. Ou podemos pensar que é impossível fazer um mosaico com azulejos inteiros. Após a quebra podemos escolher como organizar nossos pedaços – mas não podemos colar-nos sozinhos: é preciso uma grande dose de amor próprio, mas apenas ele não basta. Precisamos nos deixar amar. O amor dos outros nos amolece, faz com que a cola pegue melhor. O processo fica mais fácil, divertido, amoroso.

Podemos reconstruir-nos e colorir-nos. Podemos cobrir nossas marcas com flores, e fazer de nossa história uma história em quadrinhos. Tornar-mos-nos um gibi. Tatuagens para colorir e suavizar as marcas que vida nos deixou. Não podemos escolher nossas batalhas e nossas derrotas, mas podemos escolher como elas nos marcarão: no caos, só podemos controlar a torrente que vem de dentro, e ela pode elevar como um balão de ar quente, ou afogar-nos como um submarino tomado pela água.

Por vezes, não é possível nos manter em pé – mesmo com amor vindo de dentro e de fora. Despencamos ao solo, ou somos jogados lá, por mais que tentemos resistir. Somos abandonados; ficamos doentes; a morte nos leva alguém que é parte de nós. É preciso deixar-nos no chão. Descansar. Permitir que nossa lágrimas molhem o chão, nos esvaziemos da dor. Do chão se pode ter uma perspectiva inteira do céu. Mas não podemos ficar lá para sempre. Descanse, jamais desista.

Os baixos precedem os altos, e a vida vai assim. Precisamos aprender a conviver com tudo, e não pensar apenas nas quedas – elas devem nos dar ‘embalo’ para que possamos subir. E se não subir é preciso perceber a mão que tenta nos erguer. É preciso perceber nosso valor, nos deixar sermos amados – e perceber que merecemos esse amor.

Podemos, ainda que quebrados, e colados mil vezes, ser a purpurina que ilumina o carnaval de alguém. O brilho em seus olhos e seu sorriso. Não porque que sejamos inteiros, perfeitos e igual ao outro. Mas por que na bagunça que é a vida sejamos um peça que combina com a outra. Um coração de azulejos quebrados, porém vibrantes, cuidadosamente colocado ao lado de um livro de poemas de amor – nem todos felizes, nem todos reais, possíveis e mansos – mas todos de amor.

               

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Percalços no Percurso

Reconhecer o problema: um pneu furado; um vazamento; uma porta emperrada. A conta no vermelho; a exaustão física; a diabetes; o excesso de peso e as roupas que já não servem mais.Ter um problema não é agradável. Significa que teremos que, de alguma forma, sair da programação normal e dedicar tempo e energia – às vezes dinheiro, para solucionar o problema.

Por vezes percebemos que o problema na verdade era o início da solução: recentemente a antena da minha internet queimou. Desde então não tenho wi-fi em casa. Entristece-me o fato de não assistir filmes, mas percebi que nem os assistia tanto; mas passo menos tempo na internet e mais tempo comigo mesmo quando estou em casa. O fim de meus relacionamentos sempre foi uma oportunidade para me reconhecer e me reconstruir, com o legado deixado e com a superação do rompimento. Tinha um problema – que não podia me definir e nem paralisar.

Mas existem problemas invisíveis aos olhos. Aquela pequena rachadura na parede. A pinta nas costas que não vemos. A gordura que se acumula nas coronárias. O hacker roubando suas informações. O débito em conta de um serviço que você não usa, e não percebe. O vazamento de olho do seu carro, ou o vazamento de gás silencioso e inodoro no quarto da pousada. Pequenos fatos, que podem se desdobrar em tragédias – aparentemente não previsíveis, mas se olharmos de perto, os sintomas estavam ali, miúdos, suaves.

Para vê-los é preciso encarar-se, sem maquiagem, com lupas potentes e sem medo do que pode surgir. Às vezes percebemos uma alma profundamente doente, agonizante. Às vezes apenas uma criança com medo. Por vezes um adolescente rebelde, e cheio de si. Podemos carregar um navio em nossas costas se não nos olharmos de frente e percebermos a estreiteza de nossos ombros, e a fragilidade de nossa força.  

Miro-me. Como talvez nunca tenha feito antes; enxergo-me além do riso fácil, dos olhos sinceros como lagos limpos e cobertos de folhas no outono. Vejo além das curvas de meu corpo, e das marcas que deixei e deixaram em mim. Sou um ser pulsante, em movimento, em evolução. Sigo, mas preciso saber de onde vim, e onde estou para tomar a estrada e parar de andar em círculos. É preciso saber para onde não quero voltar, e onde não quero me demorar.     

Quero deixar em uma pedra na beira da estrada, ou em uma vala qualquer, os sentimentos que me tiram o prazer da jornada rumo ao desconhecido. Quero deixar a mala pesada de pensamentos e raivas inúteis em algum lugar, e que eles parem de puxar para baixo meus ombros, e enterrar meus pés em paradas que não desejo. Quero deixar para trás a agressividade, o desejo de controlar cada grão de chão, para que, assim, não sujem meus pés. Quero parar de afugentar possíveis companheiros de viagem, e aproveitar a viagem juntos, assim como a aproveito sozinha.                

Quero perdoar-me por ter traçado caminhos que me afastaram do que há de mais bonito em mim, essa vontade de ser bicho – de ser fêmea, de cuidar e de deixar-me cuidar às vezes. Quero permitir-me. Permitir-me parar às vezes, e aproveitar a cama macia em uma estalagem qualquer, ou perceber as gotas grossas e frias da chuva, que doem ao tocar minha pele, mas que não a rompem, não me afogam, e que fazem brotar em mim as flores mais lindas.                

Quero seguir a estrada com leveza, percebendo seus buracos e pedras, seus declives e aclives, sua lama e sua poeira. Não quero deixar de ver nada, e quero saber aceitar com amor a sombra que protege ou que me nubla, permitindo que eu possa chover. Os problemas serão resolvidos a cada curva, a cada parada, e às vezes em movimento. Por vezes pode ser que eu precise ser rebocada, abandonada à margem por meus defeitos. Saberei ficar ali, sabendo deles, olhando para eles, tentando solucioná-los a medida que trilho o caminho tentando encontrar o melhor de mim.  

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Cada um tem seu tempo

Chamam de tempo, contudo eu ainda não consegui achar em meu vocabulário verbete para definir esse algo. Que pode se traduzir em tudo, ou em nada, dependendo do prazer que você desfruta ao vê-lo passar, se é que passa - ou nos é tomado.

Enfim, talvez eu o aprecie tanto por achá-lo raro, mesmo tanto tempo depois de ter ouvido que ele, o tempo, é o único bem realmente democrático: jovem ou velho, branco ou negro, japonês ou jamaicano - todos os seres humanos do mundo foram tocados com a maldição de ter apenas 24 horas por dia, e ter que dividir nelas, e apenas nelas, toda e qualquer porção de vida.

O tempo é deus que tudo sabe, está em tudo, e tudo pode. Ele é a cura para todas os males, e todas as dores. Com o passar do dias a dor da perda de um ser amado, cuja ampulheta derramou toda sua areia, torna-se saudade, sentimento manso de quem queria mais. Portanto o tempo também é o melhor remédio.

O tempo tudo governa. É nobre, é rei. Escasso, soberbo, imperativo. Nos dita regras e nos faz escolher.

E assim eu escolho passar meu tempo: acordo antes do sol, sem poder  saldá-lo. Não me posiciono com as mãos unidas em frente ao peito, não sinto seu calor me tomar, ao contrato: pulo da cama como um raio, corro do cansaço que divide a cama comigo, e tenta me segurar com seus cálidos dedos. Resisto aos cafunês e lambidas dos meus peludos que querem me convencer a mais um toque - como se eu não morresse  um pouquinho por ter apenas migalhas do meu dia a oferecer para eles - que se oferecem inteiros. Corro, mas não por esporte, e às 7:00, depois de   mais de 30 quilômetros percorridos, já estou no trabalho.  Há muitos dias que saio de casa às seis e retorno depois das vinte e duas.
Comprimo as horas no escritório, e o trabalho com ensino, com o trânsito e cerca de cinco horas de sono por noite. Sou responsável por mim 24 horas por dia e sete dias por semana. Supermercado, cachorro no veterinário, lavar, passar (que desperdício de tempo), cozinhar, estudar. Esforço para conseguir, e tenho hora marcada para tudo, como se tivesse várias fatias de tempo. Ledo engano.

Almoço no carro, engolindo uma fatia gordurosa de pizza, seguida de um chiclete de menta: as definições de refeição e higiene bucal foram atualizadas. Passo dias sem lavar os cabelos, e acabo tendo que inventar novos penteados, ou indo dormir com as madeixas molhadas. Acordo com uma capivara agarrada ao meu couro cabeludo. Mantenho roupas que não uso em meu armário, porque sei que duas semanas sem ligar a máquina de lavar, por falta de tempo, podem me custar mais do que o estilo: receio ter que ir de pijama pro trabalho, ou pior, enrolada em uma toalha.

Não sei como consigo colocar tantas coisas nessa sacola P,  com capacidade para vinte quatro horas - no sistema métrico, ou mil, quatrocentos e quarenta e quatro minutos, no sistema otimista; entretanto no meu milagre da multiplicação consigo três horas por semana para fazer Pilates e yoga - e vez o outra encontrar os amigos. Quando dou uma fatia de meu tempo a alguém, estou dando minha vida. É algo que poderia ser apenas meu, mas que decido dividir. Se aceitas meu presente, ele se torna passado, e quando vai,  não volta nunca mais.

Por tê-lo escasso ele é para mim mais valioso que um diamante. É comida no estômago de quem tem fome, água nos lábios de quem tem sede. É abraço pra quem tem medo. Fogo pra quem tem frio.
Se vejo-o desperdiçado, seja enquanto espero no dentista, ou me perco num congestionamento, me irrito em demasia.

Não suporto atrasos, perco-me de mim, pois perdi um pedacinho de minha vida esperando por alguém que certamente estava usando seu tempo para si, enquanto eu morria por uma hora. Tira-me a paz quando dizem que vem, mas não o fazem. Imagine só como é, então, deixar de se encontrar, na terapia ou diante de um espelho, para encontrar-se com alguém que não estará lá?!
Facada e sangue nos olhos me definem.

O tempo que se foi é como a água correndo pro mar, não voltará. Se ele se dobra, se é esburacado por caminhos de minhoca, se é inteiro? Isso eu aprendi na escola, mas jamais vi na prática - tal qual as matrizes da matemática.

Portanto peço, não tomes de mim o que não poderás devolver depois. Quebre-me porque posso refazer-me, mas não roubes meu tempo, porque assim tiras-me tudo.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Sobre como me perdi

Eu preciso ter o controle. Essa é a verdade  nua e crua, e talvez feia, na qual tropecei recentemente. Essa auto-análise é produtivíssima para mim, e para todos nós, meros insetos, que buscamos a luz para então transcender. Sim, como meu pai me acusava desde outrora, sou controladora, um generalzão, nas palavras dele.

Agressiva. Na maior parte das vezes de forma passiva: ponho limites, invisíveis para mim, instransponíveis para outros, que impedem que se aproximem demais, vejam minhas fragilidades, meus medos, a nudez de minha alma. Rosno, e afugento, para que não precise morder.

Pragmática, prática, tento manter os pés cravados no chão. Esforço-me para me agarrar ao solo com o peso que carrego em meus ombros; com as memórias das dores que senti; curvo meus dedos dos pés para que eles se prendam a terra sob mim, e para que se lembrem de cada trombada em cada canto, de cada casa, de cada caso, em cada tropeço.

Talvez por isso evite drogas recreativas: preciso sentir-me firme, terrosa, lúcida. Não quero enganar-me, não mais. Desejo manter distante  a tristeza que me inspira a escrever compulsivamente, e move os artistas, dos melhores aos mais medíocres – enquadro-me no segundo grupo de não artistas fazedores de arte, no sentido amplo.

Assim sentia-me livre, na plenitude de mim mesma. Levando meus pés, então leves, nas direções para onde meu nariz apontava. Dona de mim. Senhora de minhas próprias dores, sabores, destinos. Responsável até mesmo, sentia eu, pelas batidas do meu coração: seu ritmo, sua melodia. Eu: pulsante e plena. Esquecia-me, já que estava no controle, de que era controladora, agressiva e pragmática.

E foi assim. Despreparada, com a guarda baixa de quem se acostumou com a estrada em linha reta, que fui pega em uma curva. A curva de uma mão que me chamava para dançar. O entorpecimento de um par de olhos que não percebeu o meu aviso de “don’t trespass”. Assim, fui pega distraída, e o esboço do meu sorriso foi com uma rachadura que faz despencar a represa sob a força da água. E ela invade todos os lugares.

Perdi-me. Tento cravar meus pés no solo, mas eles não estão mais lá. Ora flutuo sobre a água, ora sinto faltar-me o ar e pressionar-me o peito como se afogasse numa tsunami que simplesmente não posso compreender.  Não há pragmatismo que te mostre  o que fazer quando as ondas te tiram o pé de apoio, e você é jogado contra a areia, e se sente ridículo enquanto rola desengonçado, um espetáculo cômico para os espectadores que  se recusam a molhar os pés. Você caiu, se molhou, mas se diverte ao se entregar a supresa. Sinto-me assim.

Onde está sua agressividade de leoa agora? Pergunto-me. Entorpecida pela água que dentro de si transformou-se em vinho, e te embriaga. Tudo é riso, tudo gozo, e melodia. Em notas que você não entende, e não sabe nomear. Em sua língua tudo é explosão. E as ofensas que você então proferia para que não se aproximassem, parecem ter perdido significante e significado. Línguas mortas perdidas em dicionários amarelados em um sebo qualquer. Degusta agora apenas o momento. E que momento... bom seria se durasse ao menos uma eternidade.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Tudo em mim

Tudo em mim diz: cuidado, animal selvagem. Tento distanciar de mim qualquer um que não seja capaz de conviver, e quem sabe até admirar minha peculiaridade. Minha rotina atribulada só cabe quem tem a paciência de perceber que amo o que eu faço, e que tem a paciência de me esperar entre dias inteiros de trabalho. A quantidade exagerada de amigos diz que me relaciono, e que me dôo para quem se doa para mim. Apenas uma pessoa pode ter meu calor, que é fogo alto e constante; mas meu amor? Ah, esse se multiplica a medida que o semeio por aí.

Minha independência grita: não preciso de você, mesmo que nem sempre isso seja verdade, e às vezes eu me encolha sob minha estação de trabalho para chorar sozinha. Ou me sente no chão do banheiro enquanto o chuveiro lava as gotas de sal que banham meu rosto.

Meu cinco cães dizem que eu abdiquei do bom senso, que há pêlos por todo canto, e muito barulho: na minha casa, nas minha idéias,  no ritmo que bate meu coração. Não há silêncio em mim, não há muitos momentos de paz. É tudo correria e ansiedade. E elas se acumulam em torno dos meus olhos.

Meus olhos e as linhas que os cercam, coloridas pelas olheiras de quem fica acordada ouvindo o batuque do coração escrevem a clara mensagem: eu não tenho tempo para amenidades. Eu quero apenas o que valer a pena. Eu poderia cobrir o recado com grossas camadas de maquiagem ou procedimentos estéticos, mas gosto do que dizem e de como dizem. Maqueio-me com rubros batons, para dizer que meu coração é vivo, e que vou escrever-me por onde passar.

Meus cabelos? Expressão máxima de meu desdém para a opinião alheia. Eles berram a plenos pulmões: nossa beleza não cabe em padrões. Somos lisos, somos assimétricos, caímos para qualquer lado, e ela nos tira até quase pela raiz, como os dias fazem com seu sossego. Somos multicor, coloridos pela sensibilidade, pelo acaso, pela inexperiência.

Minhas curvas, gorduras localizadas e celulites sussurram,  apenas para ou ouvidos mais sensíveis, que guardo sob minha casca o que há de mais bonito: que sou toda amor e transparência. Sou intensidade e selvageria. Inteligência e delicadeza.

Sou um turbilhão cabendo em mim, e que não caibo em caixinhas, nas palmas de uma mão, nem um coração inseguro. Não sou para paladares simples. Misturo o doce e picante, e o amargor da vida me faz querer brindar.

Ar, sou furacão. Voe comigo, ou se destrua em minha força. Por isso tudo em mim é um convite a se afastar: poucos estão prontos para soltar as mãos e ascender, sabendo que podem não conseguir voar comigo, e que doloridos sofreremos: voarei novamente sozinha, enquanto o outro se observa sozinho ao chão. Mas se não se assustar voaremos como pipa, sem linha para prender, sem destino para chegar, remexendo toda poeira, retirando tudo do lugar.

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...