quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Em tempos de modernidade, nós mulheres somos ensinadas que podemos tudo, e podemos. 

Moramos sós, escolhemos nossos companheiros, nossos amigos, temos o direito a voto e portanto podemos (tentar) escolher nossos representantes. Cuidamos de filhos sozinhas, e até podemos pari-los sós... E não há nada de moderno nisso, minha avó o fez, dando a luz a meu pai em um dia frio de junho; nossas antepassadas e várias outras espécies o fazem na natureza.

Trabalhamos em múltiplas funções, cuidamos de casa, de sua limpeza e manutenção, cuidamos dos que amamos, e tentamos manter nossa saúde mental.

Disseram-nos que nós podemos tudo, mas não nos disseram que não precisamos dar conta de tudo; que é possível pedir ajuda, e que isso não faz de nós menos humanas.

Venho de uma família em que fui ensinada a carregar tijolos, assim como meus irmãos, porque a casa que se erguia também era meu lar,  meu abrigo, o lugar onde eu encontraria paz e acolhimento.

Meu pai nos dizia o que tínhamos que fazer. Não era um pedido de ajuda, era simplesmente algo que precisávamos entender: se queremos ser parte de algo, precisamos ajudar a construir e manter esse algo. É em cada tijolo que mora a edificação de algo maior. Ele certamente conseguiria fazer só, mas a um custo alto de seu tempo, seu esforço. Portanto, ainda crianças, aprendemos, eu e meus irmão, que cada um de nós deveria contribuir com o que pudéssemos. Fosse um tijolo, levar um copo de água, lavar a louça, cuidar nos animais de estimação.

A vida adulta, e nossas vitórias nos dizem que podemos tudo - novamente, podemos, mas qual é o preço que pagamos por não conseguir algo tão simples, que também podemos fazer? Alguém pode me ajudar com essa resposta?

Esperamos que o outro veja nossos esforços, e se comova. Esperamos que o outro perceba nossa luta em nossos olhos cansados, enquanto nossos lábios dizem: tudo bem, eu vou dar um jeito.

Acostumamo-nos ao choro contido, escondido, às frustrações; a aceitar o medíocre, porque dentre as coisas que podemos fazer também está se acostumar a terrenos tão diferentes daqueles que sonhamos.

Podemos: vencer, nos entregar, pedir ajuda... ajudar.

Um olhar de amor, compreensão, empatia, uma chávena de café, uma mensagem de apoio, embalar os copos na mudança, segurar a alça da urna que carrega a morte de alguém que amávamos... há tantas formas de ajudar, e de ser ajudado.

Pedir ajuda pode ser ruidoso, e por vezes nossa exaustão é tão grande que não percebemos que não é clara para outro. Então não pedimos, esperamos que percebam que estamos nos afogando, e enquanto esperamos nos afogamos. E enquanto observamos sem olhar, vemos pessoas que amamos se afogar, sem saber que poderíamos ajudar... porque pra quem se afoga não importa a profundidade, só há a inabilidade, o desespero, o cansaço.

Para quem observa é muito claro: 'coloque-se pé, essa profundidade não é suficiente para lhe afogar' ou 'alcance a tampa da banheira, e simplesmente a remova'. Enquanto observamos sem ver, as forças do outro se vão, e talvez pensemos - mas era tão fácil, ele deveria ter se salvado. Sim, era fácil, mas era fácil pra quem? Também podemos nos colocar no lugar do outro, ainda que caminhar até ali seja um percurso árduo. Nos sapatos do outro, mesmo assim, não sabemos como é ter os pés do outro, seus calos, os rastros das estradas poeirentas, ou não, por onde caminhara.

Podemos pedir ajuda, e também podemos ajudar, e por que diabos sabemos que podemos ser cientistas, sermos eleitas, instrumentistas, jardineiras, mestres de obra, mães e amigas e nos esquecemos dessa espada, que corta para ambos os lados, e pode simplesmente nos salvar, nos ajudar a seguir?


Ps.: as vezes não pedimos por medo da resposta, por não saber se a mão mais próxima irá nos amparar.



cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...