quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Quando chega o fim

Com o tempo parece que a gente pára de sofrer quando um ‘relacionamento’ chega ao fim. Na verdade não é isso. Sofremos, porém já passamos por isso tantas outras vezes que nos tornamos especialistas. É como aprender a cair na aula  de Pilates: a gente  segue caindo, mas aprende como, e se machuca menos - além  de fazermos menos alarde. Então, quando acaba repetimos mentalmente o que já nos disseram, e o que já dissemos a nossas amigas. Sabemos que, via de regra, deu errado porque tinha que dar mesmo, então não nos culpamos (muito).

Enxergamos os sinais, que dessa vez não foram ignorados, e por essa razão o final chegou mais rápido, e você não se entregou tanto assim. Você não se perde com o fim, porque já se encontrou e sabe que pode até se encaixar em outras pessoas, mas que por si só, já é uma peça completa e única do quebra cabeças, e é importante que vc seja exatamente como é, seus contornos, formas, conteúdo e cobertura.


Sofremos menos porque já não somos mais tão doces, os fins anteriores não conseguiram nos reduzir a pó, mas mudaram para sempre nossa essência, e não somos mais tão ‘meninas’ , tão inocentes e apaixonadas assim.


Não sofremos tanto, porque percebemos que aquele pessoa não é essencial; que seu coração continuou a bater, ainda que dolorido, quando ele foi embora na última sexta-feira de manhã, e em todas as outras vezes que todos os outros foram embora, levando muito mais do que deixaram em nós.


Sofremos menos porque cada vez nos damos menos, não por sentirmos menos – mas por já termos sofrido demais.


A dor de um tropeço em uma pedra é muito menor do que a queda inesperada do topo de um penhasco, de onde você foi inesperadamente jogada enquanto olhava, apaixonada, para o horizonte. De minha parte, a queda do precipício doeu demais, mas nem por isso deixei de aproveitar a vista enquanto caia e aproveitar a pausa quando cheguei lá embaixo.


Sofremos pouco pelo fim de um novo amor, porque não há praticamente nada de novo que alguém  te faça, que outros já não tenham feito: eles são (quase) todos treinados na escola do egoísmo; da superficialidade; da manipulação; da mentira; do ‘venha nós o vosso reino’ sem que ‘seja feita a NOSSA vontade’. Se ele é inovador, aí sim, 'corre que cilada Bino' e você vai sair dessa arruinada. De maneira geral já esperamos e nos preparamos para o fim desde o primeiro dia. Eu fico só assistindo para saber qual vai ser o roteiro da vez.


Ao poucos, quando eles se vão, não canalizamos nossos sentimentos naquilo que perdemos quando o ciclo se fechou e a disponibilidade dele também; focamos no que ganhamos: temo-nos novamente inteiras – porque já não nos quebram mais, e temo-nos em tempo integral. Passamos noites em claro, entregues a livros abertos, filmes estrangeiros, camas inteiras só pra gente. Sem escovas de dente extras em nossos banheiros, ou portas indevidamente deixadas abertas.


Quando eles se vão, não nos fecham – por que com o tempo as feridas não ficam mais na carne viva, apesar de escancaradas. Cicatrizaram, e o couro de nossos corações é grosso, como costumam ser seus hábitos, seus silêncios, suas críticas. O fluxo com que entram e saem de nossas vidas é intenso, porém raso.


Portanto, derramamos lágrimas, mas não enchemos mais  um oceano com nossos olhos, nosso suor outrora desprendido  para fazer nossos relacionamentos darem certo.  Somos o nosso próprio mar. Aprendemos aos poucos que o único relacionamento que vai durar para o resto de nossas vidas é aquele com nós mesmas: portanto, entristecemos sim, a cada fim, contudo sem estragar,  por mais tempo que o necessário,  o nosso próprio ‘feliz (EX) para sempre.’

Ps.: Triste sim, infeliz nunca mais!

Chance: com folha dupla e toque macio

Meus parâmetros são baixos. Inclusive não ligo muito para estatura – meu pai tem apenas 160 centímetros de altura, portanto, segundo Freud, e meu último relacionamento longo, tá tudo certo.

Basta: inteligência, sorriso bonito, não ser eleitor do Bozo e nem se identificar com suas idéias medievais, me atrair fisicamente, não ser sociopata (já tive minha cota na vida); gostar de sexo, ser praticante assíduo e compatível com meus gostos;  ser minimamente presente e interessado, não me causar ônus econômicos ou a minha integridade física e psicológica – que parece ser sensível. Também é desejoso que a pessoa seja sincera, transparente – mas isso tão comum quanto cabeças de bacalhau. Mas se mentir, e eu descobrir, o cara tá fora.

Assim, se ‘uns e outros’ se encaixar nesse perfil, via de regra, eu dou uma chance, ou algumas. Além de chance eu costumo dar preferência, e até exclusividade. Sim, eu dou.

Repito, sou preguiçosa, e portanto naturalmente monogâmica: quero sim um ‘uns e outros’ para chamar de meu. Pra falar sobre o meu dia; ou simplesmente para me abraçar enquanto eu tento reencontrar em mim as forças roubadas  pelo dia e os problemas. Daí eu dou a chance, mas o ‘cabra’ acha que aquela chance, fofa e alva, que dei é papel higiênico. E dá-lhe cagada.

Consigo ter casos, uns quatro ou nove, simultaneamente, se achar que naquela única vaga não cabe meu carro – que mais uma vez repito: é pequeno, cabe em quase qualquer vaga, Tenho parâmetros baixos.

O que me assusta é pensar que, mesmo com padrões tão baixos, recrutar está muito difícil. E eu não sou a única. Nós, mulheres que resolvemos não aceitar menos do que merecemos e desejamos – até porque desejamos e precisamos de tão pouco – estamos por aí, ficando sozinhas, sendo rotuladas com as mais bizarras alegorias - sendo que é a ala masculina que não está ajudando. Eu não deveria, mas fico borocochô às vezes pensando nisso.

Nós mulheres lutamos, e evoluímos – não para sermos iguais ou melhores que os homens, apenas para sermos livres. Não nos querem assim. Não nos querem ouvir, e saber nossas opiniões. Não querem saber se estamos bem. Querem apenas que nossas bocas se calem, mas que se abram, tanto quanto nossas pernas. Somos hoje uma multidão de mulheres economicamente e emocionalmente independentes saindo com mocinhos maiores de idade – pelo menos no meu caso isso também faz parte dos pré-requisitos – com idade mental de doze anos.

Admito minha parcela de culpa: sou impaciente; direta. Sei bem o que quero – afinal meus parâmetros são baixos – e não aceito baixá-los ainda mais (estamos aprendendo a ter amor próprio por aqui). A verdade é que a evolução feminina que tanto fizeram antes de nós, e que tanto lutamos para continuar, nos trouxe a um lugar onde continuamos sendo inadequadas, e agora também somos rejeitadas, assassinadas, e humilhadas por homens que outrora sequer figurariam entre um bom partido.

 

domingo, 23 de setembro de 2018

Impatiens Walleriana

Amadurecer é saber bem o que se quer, e o que precisamos para viver.

Se fosse uma planta, de pouco precisaria para manter verdes minhas folhas e florescer. Não preciso que me reguem para que sobreviva bem e forte. Seria como orquídeas e suculentas.

Dou-me muito bem sozinha. Sou independente, auto-suficiente. Livre.

Contudo, para que se extraia de mim o melhor é preciso saber conviver com meus espinhos. Gosto que revolvam minha terra; que me coloquem em um belo cachepot, com um lugar de destaque na decoração. Espero que limpem minhas folhas, sintam meu aroma.

Não preciso que me molhem diariamente, guardo dentro de mim o que preciso para viver e florir.

Mas se queres meus frutos, é preciso que os cuidados acima sejam frequentes, diários. Quanto mais, melhor. Contemple minhas formas exóticas, toque-me e deixe eu perfumar suas mãos.

Se queres comer de meus frutos, lambuzar-te, é preciso que me cuides, mesmo sendo eu uma trepadeira safada, que brota em qualquer trinca no concreto.

Não matareis sua fome se não souberes me apreciar como desejo.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Um visualizado e não respondido vale mais que mil palavras.

Um ‘tick’, mensagem enviada. Dois ‘ticks’, mensagem recebida. Dois ‘ticks’ azuis, mensagem lida. Ansiedade pela resposta.

O aplicativo de conversa mais utilizado atualmente ilustra bem a comunicação humana. Nas aulas de análise do discurso, nos tempos de faculdade, ficou claro para mim que tudo que é dito, é dito com um objetivo, uma intenção. Toda mensagem pretende causar uma reação em seu interlocutor. O objetivo primitivo – parece-me – é uma resposta.

Assim quando, ao conhecer alguém, você diz ‘oi, tudo bem? Meu nome é Trouxa’, você espera que o a outra pessoa te responda , pelo menos ‘Ei, estou bem sim.  Meu nome é Vocênãoétrouxanão.’ Assim vamos vivendo, jogando palavras ao vento, no papel, na cara das pessoas, em suas caixas de e-mail, redes sociais, telas de celulares, tatuamos palavras em nossa pele, rabiscamo-las em muros, árvores (crime contra a natureza, ta?), cantamos palavras, lançamo-las no espaço na esperança de que uma sociedade inteligente a encontre, e ache interessante o que temos a dizer.

Sou de humanas, mas precisamente da Letras, portanto tudo para mim é comunicação, diálogo, troca. Se não tenho nada de interessante a dizer (baseado nos meus padrões de ‘interessante’, okay?) opto pelo silencio, na tentativa de evitar arrependimentos e constrangimentos futuros. Odeio perder o sono pensando em como poderia ter evitado a Terceira Guerra Mundial, quando alguém muito querido chamou minha cachorra de feia, e eu respondi com “mas você já se olhou no espelho?”.

Assim seguimos dizendo ‘eu te amo’ esperando uma resposta que não seja o silêncio, ou apenas um ‘muito obrigada’. Fazemos convites para o cinema, para festas de aniversário. Dizemos a pessoa que estamos preocupados; que ocorreu um acidente da esquina; que ta frio, calor ou chovendo – ainda que esse último seja incontestável e provavelmente seu interlocutor já tenha ciência do fato. Falamos porque queremos ser ouvidos. Que nossa mensagem seja recebida, internamente lida – analisada, e respondida.

Contudo, nem sempre queremos responder. E tudo bem não querer responder, porque a ausência de resposta também  é uma resposta. Pessoalmente, eu não gosto de ser dúbia, apesar de essa ser a única palavra do vernáculo que rima com meu nome (informação desnecessária, com o intuito de te fazer pensar se existem outras, e se você souber... me fale, please!) e deixar a pessoa chegar as próprias conclusões. Professora que sou, respondo a tudo. Sou a encarnação de ‘ação e reação’, ‘pergunta e resposta’ (ainda que a pergunta não se apresente com o tradicional formato questionatório), eu jamais ignoro uma palavrinha sequer que me tenha como alvo – a não ser que eu esqueça.

Eu acho que, apesar  de não ser nem imoral, nem ilegal e nem engordar, deixar a pessoa sem resposta é CRUEL. A gente fica sempre na dúvida: será que ‘Vocênãoétrouxanão’ não me ouviu? Será que teve uma sincope enquanto pensava na resposta? Foi abduzido? Será que teve o celular roubado? Será a mãe dele teve algum problema, ele foi ajudá-la e se esqueceu da minha pergunta? Será que ele está chateado comigo por algo que eu disse?

O aplicativo nos dá uma ajudinha, o tão ‘double tick azul’: recebeu, leu, não respondeu? Vácuo. A pessoa declaradamente não quer te responder, ou não pode, sei lá. Fato é: naquele momento você vai ficar sem resposta, e de nada adianta ficar ansioso, mandar trezentas mensagens, ligar, postar no Instagram.

É simples, não vai rolar agora – vá viver sua vida, fazer uma tarefa, conversar com outra pessoa, correr, comer uma azeitona. Por favor, só não corte os pulsos, e atente contra a sua vida, ou a de outro ser por essa frustração. Seu interlocutor virtual pode ser como minha mãe: visualiza a mensagem, sem sequer ver que tem uma mensagem, e  não responde, nunca. Ela faz isso na vida real. Eu falo algo, ela balança a cabeça, sorri e diz algo amplo tipo “é ... menina”.

O aplicativo que mostra que visualizamos e não vamos responder nos encoraja a sermos sinceros: não quero falar com você. Aceite que dói menos. De minha parte, eu quase sempre aceito. Faço uns testes depois, tipo mando alguma outra mensagem e tal, ou se é algum amigo muito próximo, faço drama ou xingo pelo vácuo, mas respeitando (ainda que não pareça) o direito do outro.

Assim, algo que me indigna profundamente é quando o ser humano tira a função ‘double tick azul’. Gente, isso é o cumulo da crueldade: por mim tudo bem ser preterida. Com tanta gente legal no  mundo, se uma pessoa não quer falar comigo, eu falo com outras, ou com meus cachorros, ou eu me sento para escrever , ou canto aos berros para expulsar a frustração; mas ninguém merece a agonia de um visualizado e não respondido: porra, a gente fica preocupado! Eu realmente entro em pânico. Tenho vontade de pegar o carro, e ir até a pessoa para saber se ta tudo bem.

Mas talvez a pessoa só queira me ignorar mesmo, e fingir que nunca nem me viu – eu e minha mensagem – daí chegar lá pode ser pior, né? Engulo seco, olho para baixo. Tento ver uns vídeos de cachorro, trabalhar (muito), dormir, se a hora assim me permitir. Tento seguir minha vida sem saber se a pessoa morreu, ganhou na mega sena, foi-se para Nárnia. Se eu te mandei mensagem é porque sua integridade física me importa, se importe com a minha integridade psicológica, vai?

É isso galera, por favor, voltem com o ‘double tick azul’ – assuma seu ranço, sua preguiça da pessoa, mas não a mate de agonia (a não ser que seja de fato essa a sua intenção: livrar o mundo desse Erê, fazendo com que ele , ela ou eu, cortemos os pulsos de desespero).

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Pedaços tão pequenos quanto poeira de estrela (ou purpurina).

Hoje vou direto ao ponto. Quebrar paradigmas é quebrar-se em mil pedaços, é desconstruir e dói em cada rachadura. Dói antes, e é isso que nos faz quebrar, dói durante, quando cada pedaço daquilo que você passou uma vida acreditando começa a ruir, mas pode ser lindo, depois que cada um dos seus pedaços partidos se encaixar novamente em uma nova organização.

Existem pessoas que nascem, crescem, se reproduzem e morrem, sem mudar de idéia, deixando para trás descendentes férteis que vão propagar, além de seu DNA, as mesmas crenças, atitudes, a mesma dor e angústia, sem contudo conseguir romper os limites que os prendem ali – naquele grupo. Alguns se angustiarão sem perceber que é a lava da mudança que quer entrar em erupção e destruir tudo. Outros vivem mansos, quase apáticos, com escolhas e pensamentos que outros escolheram para eles.

Eu me quebrei algumas vezes, e pretendo quebrar-me muito mais. Na verdade esse texto é para descrever o agora, enquanto sinto-me ruir – com a certeza de que vou me refazer em uma estrutura mais leve, fácil de carregar, sem tantas amarras e expectativas.

Contudo, peço licença ao tsunami de agora – que já não me assusta tanto, para descrever um tsunami anterior: a perda de minha fé em um deus exterior, onipotente, onipresente, onisciente.  Fui criada dentro da igreja católica, e adorava as procissões da semana santa – a de ramos era minha favorita, catava um ramo de alecrim no quintal da casa da minha infância (e da minha vida adulta, até os trinta anos de idade) e ia sozinha para a procissão, cantar ‘Hosana nas alturas’ e balançar meus bracinhos roliços. Fiz a primeira comunhão sem que ninguém me mandasse ao catecismo dominical – arrastando a contragosto meu irmão do meio, que foi obrigado a ouvir – sua irmã é mais nova e vai fazer primeira comunhão antes de você. Se eu pudesse voltar no tempo, sussurraria pra ele ‘fode a porra toda, faz essa parada não. Toca o pé mesmo, e deixe essa sua irmãzinha aprendiz de papa hóstia aprender o que é legal’.              

   Enfim, fiz primeira comunhão, junto com meu irmão; crismei, tendo ele como meu catequista. E no intervalo entre os dois sacramentos, li todos os livros que chegaram até  minhas mãos, e que foram me enchendo por dentro até que todo aquele conhecimento me fez erodir de dentro para fora. Claro que tive a ajuda de algumas pessoas, que deram leves marteladinhas na lataria: um padre da igreja que eu freqüentava, e que só falava em dinheiro e contribuição, esquecendo-se do aspecto espiritual ; e meus dois namorados, ambos céticos.             

    Enfim, aos 28 anos declarei-me atéia pela primeira vez. Doeu. Senti-me órfã. Quem poderia então me ajudar nos meus problemas. Quem me falaria as respostas nas provas; faria meu time ganhar; salvaria-me de um acidente, ainda que eu fosse a única sobrevivente. Quem colocaria comida no meu prato, à custa de um continente africano majoritariamente faminto; quem me protegeria da violência, mesmo quando tantas outras crianças e mulheres são estupradas e mortas em cada canto desse planeta. Doeu o desamparo. Mas após algum tempo, percebi que aquilo que eu buscava fora, esteve sempre ali dentro de mim.                

Pela primeira vez eu percebi que EU, com o suporte forte dos meus pais, é que tinha me trazido até aqui. Eu havia estudado, me esforçado, cuidado para não engravidar. Eu evitara locais ermos, cuidara de minha saúde com comidas saudáveis. Eu me cerquei de pessoas do bem. Foram todas escolhas minhas, temperadas com uma generosa dose de sorte. Até aqui eu nunca estive no lugar errado, na hora errada. Depois da dor da perda da fé, o estupor.  Que bom é ser responsável por suas dores e delícias. É pesado, exige responsabilidade, porque você será livre para escolher, mas eternamente ligado aos desdobramentos do caminho que escolher, sejam eles bons ou ruins.                

Resolvi ser meu próprio deus, e ser o bem para todo mundo que pudesse – já que nenhum amigo imaginário pode fazer isso.                

Substitui  deus por amor. E aí, chegamos aqui. Esse sentimento preencheu cada espaço do meu corpo e passou a permear cada uma das minhas atitudes. Ainda não conhecia a famosa frase de Frida “onde não possas amar, não te demores”, mas vivia como se ela fosse meu moto desde o dia em que nasci.          

       Na cerimônia humanista de meu casamento, apaixonadamente celebrada por uma amiga irmã, a quem eu amo profundamente (sim, eu precisava de todos esses advérbios de modo), minha única instrução para ela foi: não diga a palavra deus; onde sentires o apelo, substitua-a pela palavra amor. E eu realmente acreditei nisso.             

    Hoje eu quebro o paradigma do amor. Não o amor pelo próximo, a empatia, a fraternidade, a solidariedade, a admiração. Não o amor que vai me fazer passar a noite em claro cuidando de um cachorro de rua; ou no hospital com minha melhor amiga. Eu acredito no amor que faz entristecer meu coração quando vejo uma injustiça, a violência, a fome, e o abandono. O que se quebra aqui,  não é esse amor, que não se ensina, mas se aprende na rua vendo ‘merda’ acontecer.                

Quebra-se aqui o amor dos meus pais, digo, o amor romântico entre homem e mulher. Aquele que somos criados, e principalmente criadas, para encontrar. O amor das princesas, que furam o dedo e dormem profundamente, ou comem uma maçã envenenada e têm o mesmo resultado, e ficam inertes até que seu amor venha, lhes beije, e só então elas possam tornar a viver. Somos convencidas de que só estaremos vivendo quando um príncipe nos escolher. E para isso precisamos estar sonolentas, hibernantes, adequadas. Eles nos escolherão, nós escolheremos um vestido de princesa, um local que nos lembre um castelo e selaremos um amor, para que sejamos felizes para sempre.                

Se você ainda acredita, talvez seja melhor parar por aqui. Este texto tem grandes chances de se tornar desconfortável e parecer (perceba: parecer) deprimente.              

   Continuando: eu sempre quis um namorado para me completar. Não me moldei muito para isso; não fui a mocinha delicada a espera do príncipe, portanto encontrei parceiros fora dos padrões – como tinha que ser. Éramos Mallory and Mickey Knox (se ainda não viu, e tem estômago bom, assista Naturally Born Killers, ou Assassinos por Natureza), sem os assassinatos e traições. Meus relacionamentos de longa duração eram baseados, de minha parte – é claro – em admiração e confiança. A atração sempre vinha depois, como um efeito colateral das duas primeiras características, e sempre passou por um sorriso bonito.                

Sempre acreditei em relacionamentos monogâmicos, porque eu sou “Monogâmica por Natureza” (ou preguiçosa mesmo). Sempre tive a expectativa de que cuidávamos um do outro, e que o bem estar de um dependia obrigatoriamente do bem estar do outro. Olhando para trás, eu não sei de onde tirei essa idéia estúpida. Até onde eu sei, relacionamentos são brigas de ego, onde cada um defende seu equilíbrio, e no fim um cede, engolindo com sapos ou pedras (Cidade do Sol) a vontade do outro.                

Por mais que eu tenha me esforçado para me encaixar no outro, e por mais que eu seja legal, inteligente, engraçada, independente... isso não vai rolar. Não vai ter um cara, ou uma mina, que vai querer ‘cuidar’ de mim, apesar de eu demandar muito pouco. Eles (as) vão manipular a verdade para conseguir o que querem, como qualquer animal lutando por sobrevivência, e isso acaba com um dos pilares básicos da minha definição de amor – A CONFIANÇA. Eu sei que por mais ‘tudão’ que eu seja, eu jamais serei o bastante, e que meu parceiro (a) dominado (a) por seus instintos mais primitivos vai procurar outros ‘parceiros (as)’, enfraquecendo o outro pilar o da ADMIRAÇÃO. Geral não consegue olhar pro outro e dizer, ‘puxa, esta filha da puta é do caralho.  Vou ficar aqui ó (ó: mineirêz para ‘olha’)’, e quando não for mais legal, vou falar: deu’. E só então sair para caçar outro ser humano do caralho.       

          Não, geral fica sempre com um olho no peixe e outro no gato, e percebi que, com muita tristeza, também estou virando isso aí. Conheço, admiro, mas sempre acho que não é o bastante, e enquanto estou pendurada naquele galho não me permito sossegar, olho para os outros, pensando se devo pular. Isso me entristece. Isso me afasta de uma faceta de minha personalidade que eu amava. A de enxergar o outro com olhos doces, e pouco julgamento. Aceitando seus defeitos e qualidades. Olhando-o com amor. Agora me sinto um funcionário do Guinness Book, procurando sempre os ‘maiorais’, afinal, eu não mereço pouca coisa. E isso é verdade – não mereço e não vou aceitar. A desconstrução do amor, deixou-me assim: desamparada, quebrada e irreconhecível.            

     Assim, após 34 anos, 6 meses e 18 dias buscando a tampa da minha panela, descobri que somos todos frigideiras fumegantes, famintas, formidáveis, fortes, fragmentadas, fascinantes, por vezes falaciosas, frenéticas, frustradas, fluidas, fúteis, fadigadas, feias, às vezes frias. Finitos em nossa solitude. Fim.

  Ps.: tampas não são necessárias, mas podem ser bem legais, principalmente aquelas de vidro, que você consegue ver tudo o que tem dentro, sem o risco de se queimar. Se você for uma tampa moderna, transparente, inteligente, visualmente palatável... podemos conversar.  Mas desconfio que esse presente a vida tenha me mandado e tenha caído em algum canto, no trenó do Papai Noel.’ Poxa Rudolf, não precisava ter freado tão rápido’.

domingo, 2 de setembro de 2018

Papel de Presente

Eu quero voltar a acreditar no amor. Sentir-me em boa companhia, sem ter medo do amanhã. Eu quero me demorar em abraços que me envolvem. Eu quero ser cuidada pela primeira vez na vida. Eu quero ser amada por meus defeitos.

Quero receber ligações cujo único propósito seja ouvir minha voz. Quero contar de minhas dores, e que elas não sejam vistas como meros dissabores. Quero mergulhar em sorrisos sinceros. Sim, o amor romântico quebrou-se para mim.

Não acredito que exista no planeta outro ser humano como eu: roto, romântico, disposto a ser seu e ser meu, sem nos anular, e nos rotular.

Será que existe por aí alguém que lute diariamente contra seu egoísmo? Que ame seus amigos, e que queira fazer do mundo um lugar melhor? Será que um dia, caminhando distraída, encontrarei alguém que verá que sou completa, e que quererá juntar sua completude a minha, para que lado a lado, possamos experimentar a vida, o novo, e um ao outro diariamente?

Pareço esperar demais de uma sociedade que só produz um modelo de gente: egoísta, apressada e impaciente. Eu nasci com defeito, assumo - e tento ver amor em tudo que se move, acabo esperando dos outros o que aparentemente não existe lá. Mais um defeito de fábrica: great expectations!

Acredite, o amor que aspiro difere muito do que pensam por aí: quero apenas alguém que me entenda, e admire. Alguém em quem eu consiga confiar, admirar e desejar. Não preciso disso para ser feliz. Basto-me. Mas falta-me o conforto de um coração manso, com um inquilino fixo.

No momento, eu não acredito nesse amor, mas anseio por tornar a ter fé, a esperar por ele, e por fim vivê-lo. Queira deus, em quem também desacreditei, que Papai Noel o traga de volta pra mim, envolto em um papel reciclado, esticado, mas com as marcas de tudo quanto já viveu.

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...