terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Paçoca

Paçoca! Eu amo esse doce de amendoim, e poderia comê-lo todos os dias, não fosse ele se acumular em minha região abdominal e minhas bochechas – aparentemente ele também gosta tanto de mim que todas as paçocas que já comi na vida se agarraram a meu corpo, sem nenhuma intenção de ir embora.

O que as paçocas podem nos ensinar? Que as delícias podem ser simples e baratas. Mas a lição de ouro que alguém muito querida me ensinou foi: expectativa é que nem paçoca – do nada esfarela tudo. Conversamos por quase uma hora sobre isso, e no fim chegamos a conclusão que não são apenas as expectativas, mas a vida em si. Cada segundo é uma chance, uma paçoca: inteira, embrulhada, oferecida e deliciosa. Se a guardarmos na bolsa esperando o momento certo: pah, virou farelo – e não adianta tentar apertá-la para dar a ela o formato que tinha há um segundo; nem aceitar que virou farofa e tentar lamber a embalagem – não tem a mesma graça.

E basta pegá-la de forma errada, um piscar de olhos inadequado e aquele formato se foi, e a expectativa de um momento de gozo desaparece. Em quase trinta e cinco anos vi tantas das minhas paçocas se esfarelarem diante de meus olhos: dietas; amizades; empregos; festas; casamento; flertes; minha saúde mental; tantos planos; tantos sonhos.

Vejo-os todos desfeitos diante de meus olhos – e não consigo me lembrar de que os restos mortais de tudo que desejei ainda carregam um sabor doce. Posso utilizá-los para fazer um mousse, um bolo, recomeçar do pó. Tudo que penso hoje é que fracassei com as paçocas que a vida me deu.

Quando olho ao meu redor, não tenho forças – porque pareço estar inserida em uma grande paçocona que rui: pessoas tão abaladas psicologicamente quanto eu; ou sem valores; pessoas rasas cujas ambições destroem o outro, os outros, uma cidade, um país. O doce desmorona e cai na lama, que cobre tudo. E quanto mais me movo na tentativa de manter a doçura intacta, mais ela se desfaz ao meu redor, e dentro de mim, a cada movimento mínimo. Paro, mal respiro – observo; cerro tanto meus olhos, na esperança de enxergar saída, que minha visão se torna turva.

Precisamos aprender a saborear instantaneamente o momento, porque ele se vai. E às vezes nos prendemos tanto a ele que ele se desfaz entre nossos dedos, nossos dentes, num canto esquecido de nossa bolsa. Não precisamos ter pressa – é uma delícia sentir o amendoim (torrado e moído) com açúcar e sal – nas proporções exatas - se desfazer lentamente em nossa língua. Apressados, fazemos tudo errado. Apertamos demais, temos medo demais, esperamos demais, comemos rápido demais – achando que teremos mais, e mais.

Não vejo paçocas inteiras em meu futuro, e assumo ter medo de quebrá-las, caso elas apareçam  – como me culpo por ter quebrado todas as outras – mesmo as que já vieram destroçadas – essas, culpo-me por não tê-las consertado (mesmo sabendo que era impossível). Por ora, bastava-me aprender receitas de como enfrentar o caos de tanto pó, mais sal que açúcar, mais lágrimas que suspiros – que a água também dissolve.

Não concluo, deixo o texto esfarelar sob meus dedos, devaneio de um psicológico que de desfez – novamente

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Para onde apontar o meu rabo?

Eu saí com um cara recentemente. E isso deveria ter sido bom: desde que meu relacionamento de mais de uma década se encerrou, eu ando batendo cabeça nas paredes por aí, ou melhor, correndo em círculos, como um cão que persegue o próprio rabo; ou ainda como o cão vadio que corre atrás dos automóveis que passam. Assim como os caninos, tudo o que quero é alcançar meu objetivo.

Agarrar aquela roda, ou aquele ‘chumaço’ de pêlos que parece estar sempre a me perseguir – ou stalkear, caso você não conheça o verbo perseguir, do português arcaico – é meu grande objetivo. Faço esforços hercúleos, me entrego a tarefa, levo meu potencial ao máximo, chego cansada ao fim do dia, sem nunca conseguir de fato ter meu objetivo dominado entre meus dentes, que cerram raivosos num bruxismo que  me assombra.

As pessoas parecem me admirar por minha dedicação, determinação. Minha personalidade ousada, alegre e incansável que não me permite desistir. Atraio pessoas diversas, com o objetivos análogos: somos um grupo heterogêneo de cães, vivendo em condições deprimentes, corremos atrás de nossos rabos, ou dos veículos em alta velocidade que podem até nos matar: admiramos nossa sagacidade e força, mas o que acontece se a gente, por fim, conquistar o objetivo?

O peludo que consegue pegar seu próprio rabo, solta-o na seqüencia. O que pega a roda do carro percebe, em seu fim, que foi ela que o pegou e ele gane enquanto vê sua vida se esvair da beira da estrada: dilacerante verdade.

O que quero dizer com isso? Precisamos rever nossos objetivos. Às vezes estamos tão cegos quanto ao que queremos que não conseguimos perceber que a linha de chegada não significa nada: é uma fita, é simplesmente o fim – e que o esforço para chegar até ela te impediu de olhar a paisagem, de respirar com prazer. O caminho te extenuou, te consumiu. E o resultado é efêmero.

Esse cara com quem eu saí poderia ter sido mera diversão, como é pro doguito correr atrás da bolinha e entregá-la novamente para seu dono. Eu estou acostumada aos resultados frustrados, e antes de alcançá-los, me divirto com toda a endorfina liberada na perseguição. Eu nunca ganho, já sei, mas me divirto enquanto me perco. Dessa vez não foi assim. Quanta angústia por não ter sequer chegado perto do automóvel.

Estou angustiada desde então, e não ‘tá’ legal. Talvez ele não tenha sido o carro, mas o cara que deveria jogar a bolinha – mas ele só fingiu que ia jogar a bolinha, veio todo pimpão, cheio de biscoitos no bolso, elevou o braço, com a bolinha no ar: me enganou. Olhei na direção que ele indicou, apenas olhei – não corri. Enquanto eu olhava ele se afastava, com a bolinha e com os biscoitos pelos quais eu tanto ansiava.

Depois de ter acreditado e desacreditado no amor, eu digo que tenho uma relação estranha com ele. Amo sem medida, e sou cercada de pessoas que também são assim – mas parece que somos um grupo pequeno, num universo de perversidade. Somos seres correndo atrás de objetivos, às vezes vazios, mas genuínos, cercado por outros seres que parecem não se importar com nossa frustração, e por vezes parece que é nosso fracasso o espetáculo que eles mais esperam.

Comecei a questionar meu objetivo: encontrar alguém com quem compartilhar minha alegria. E esse é o novo rabo que persigo. Achar respostas. Depois do encontro minha pele deveria estar bonita e iluminada, mas carrego um cenho franzido de quem não entende nada.  Não uso maquiagem, nem subo no salto desde então. Saí dos aplicativos de paquera, e tenho vontade apenas de ficar em casa, com meus cachorros, músicas e livros.

A busca me cansou, e me fez questionar se estou correndo atrás do objetivo certo. E a real é que sempre soube que não. Achar alguém não é um objetivo legal, a não ser que o alguém que você busca seja: PAH – VOCÊ MESMO!  

Quantas vezes eu já tive esse momento de epifania, mas basta meu rabo fazer sombra, ou eu ouvir o ruído do motor que minhas idéias se derretem, e lá estou eu no looping eterno. Basta.

Hoje, enquanto o cão dentro de mim deitava cansado ao solo, sem sequer conseguir aproveitar o sol percebi que me enganei quanto ao meu objetivo: eu não quero o carro, o objeto. Quero sua função. Quero sair de onde estou. Quero mudança. Esta zona de conforto onde persigo meu rabo não me cabe mais. Sei que já não quero mais estar aqui. Mas não sei para onde ir.

E aqui estou parada, perdida, abandonada como um cão no meio do nada – sem forças e nem coragem, sem bolinha e sem biscoito, sem rabo ‘perseguível’  e sem carro, sem corrente e nada que possa me prender: a liberdade me convida, o rabo – não mais perseguido, encontra-se baixo, mostra meu medo. Não quero mais tê-lo preso entre meus dentes, quero levá-lo para se abanar por aí. Mas tenho medo, e não sei para onde ir – meu faro ficou tempo demais no mesmo lugar, não sei que trilha seguir, mas já sinto que parti.  

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Conheço, reconheço, e no fim te desconheço.

Os dias de hoje serão vistos por seus olhos do futuro. Hoje, um dia, será outrora, e quem e o que você conseguirá reconhecer?

Às vezes você observa alguém que passou por sua vida e o percebe como um total estranho – deixou de ser seu grande amor, tornou-se mesquinho e superficial. Mostrou-se egoísta em níveis inimagináveis, a ponto de não se importar sequer com os filhos que carregam seu material genético e são os capítulos mais bonitos da história de vocês dois.

Às vezes a relação não foi tão longa, mas você esbarrou, num dia qualquer  que saiu para dançar e celebrar a vida, a pessoa mais divertida – e ela se foi. Perdeu-se em sentimentos turvos, confusos, que te entristeceram a essência e quiseram te fazer partir.                

A vida é efêmera e impermanente: as pessoas quererão ir embora – e eu realmente não vejo problema algum nisso, afinal os relacionamentos se desgastam; novos amores – dizem – aparecem; as estradas que antes eram paralelas se distanciam em um arbusto, para jamais conseguirem se reaproximar. Nós observamos as mudanças acontecerem, causamos algumas e convivemos com suas conseqüências. Mas há algo que me espanta, e não sei de fato o que é.                

Será que aquela pessoa, que caminhou a seu lado durante anos, sempre foi desprovida de empatia e cuidado por você, e você não percebeu porque o via com olhos de amor? Ou o coração que antes parecia te abrigar se endureceu, e ele, não só não a deseja mais, como também deseja que seus dias sejam péssimos?                

O namorado que sorria, contava piadas e dançava ao seu lado, e que agora sequer sai do quarto – foi você quem não viu a sombra em seus olhos miúdos? Teria você colocado aquelas nuvens ali? Ou vieram de algo que nenhum de vocês podia controlar.                

Essa percepção não é clara. Parece que tudo muda, e não sobra nada do que antes conhecíamos. Tive um namorado e ficamos juntos por anos; terminamos, e após muitos outros anos nos reencontramos no funeral de um familiar – nos abraçamos. Mas não havia nós. Nenhum nó se apertou, nem mesmo em minha garganta. Éramos dois estranhos. Eu nutria carinho pelo que um dia tinha sido. Tive empatia pelo homem que acabara de perder um irmão – mas não o reconhecia em nenhum átomo, nenhum gesto e nem em seu calor.                

No fim será que tudo muda? Que força é essa que nos atrai para pessoas que queremos conhecer, para depois desconhecer? Hoje, eu desconheço a frieza que mora nos atos mais corriqueiros de um alguém com quem dividi os dias, o teto, a cama, meu corpo e pensamento – ou será que na verdade só agora consigo reconhecê-la?       

Também mudamos – percebo que a medida que vejo os outros mais distantes de mim, também me afastei do que fora um dia, num movimento de repulsa mútua – e talvez por isso as estradas não possam mais ser paralelas.

No caminho que hoje eu trilho, alegria transborda em minhas cores, em minha ousadia. Entrego-me a desejar o bem ao próximo, e que ele não seja apenas o próximo – mas alguém que veio para ficar, em minha roda de amigos, em minhas fotos e meus carinho. Dou-me às viagens para dentro de mim, e levo-me para viagens para longe daqui. Danço sozinha sem olhar-me no espelho. Julgo apenas o julgamento.                

Mudamos todos, nos despedaçamos por inteiro, ou trocamos apenas algumas pecinhas no nosso brinquedo de bloquinhos de encaixar – como decidimos (se é que todos nós decidimos) montá-las é o que fará toda a diferença em nossas formas, e onde poderemos caber. Talvez por isso aqueles que partiram, e também o reflexo no espelho, nos pareçam hoje tão estranhos: arrancam-nos peças, por vezes essenciais, levando-as consigo, por vezes deixam outras para trás – e quando partem, ou até antes disso, nos fazem diferentes  - talvez piores, melhores, ou nenhum dos dois – mas sempre refeitos

Evoluir

Eu me envolvo;
E me revolvo,
E me revolto, e a mim me devolvo.
Então eu me desenvolvo,
E volto a me envolver!

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...