sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Verso e versão

Bem, mas essa é a minha versão, né? Minha verdade.
Como seria essa história se o narrador fosse outro, se o ponto que observa o enredo se apresentasse de outra perspectiva?
Suspiros. A história seria outra. Outro seria o livro. 
Não mudaria só a capa, ou a edição.
Talvez eu fosse apenas uma personagem secundária, aquela pessoa que jamais chegou a fazer parte no núcleo central do enredo - da nobre família, dos 'mocinhos'.
Talvez eu fosse uma nota de pé de página, até sem nome, ou descrição. Alguém que cruzou um caminho, trazendo mudanças - como um atropelo que mudou a trajetória do herói.
Talvez desde o início da história eu tivesse sido apenas acessória, descartável. Uma pedra na caminho. Ou uma ponte.

Na versão do outro talvez eu seja a vilã: mal intencionada, manipuladora. Aquela que, por interesse, vaidade, ou pura maldade, o tira do caminho virtuoso para o qual era destinado.

Talvez sim, percebam um pouco do meu protagonismo, e eu nem seja retratada como um fantasma, um espírito obsessor, uma bruxa, ou uma loba - a má ou a que corre. Mas seja alguém que mereceu sim todos os revezes que seu personagem sofreu.

A versão do outro talvez não tenha tanta poesia, tanta rima, tantas pausas em meio ao clímax. 

Na versão do outro talvez as frases sejam curtas, e encerradas com pontos finais. Talvez haja muitas páginas em branco. Poucos diálogos. Silêncio e tempestade.

Mas a minha versão, eu conto com travessões, dois pontos, reticências. Tenho muitos pontos de interrogação e algumas exclamações também.

A minha versão é longa, porque gosto de trilogias, de sagas, enciclopedias! Quanto mais páginas, melhor!
Gosto de personagens complexas, profundas... deixe as lineares para aquelas histórias de finais previsíveis. Os lineares sabem de onde vem, e pra onde estão indo. Sou uma personagem aberta, em construção.

Ah, e se possível, quero uma edição ilustrada com aquarelas de cores bem vívidas. 

É, talvez as versões desse enredo sejam tão diferentes, e também tantas, quem ninguém saberá, mesmo ao fim, que se trata da mesma história... Talvez eu sequer me reconheça na versão do outro. 


Mas ao virar cada página do livro dos meus dias,  da versão que eu conto com orgulho, e conheço, eu sinto aquele inconfundível cheiro de 'amorosidade' e aprendizagem -  cada página virada é história escrita, passada no papel. Cada capítulo encerrado, é possibilidade de recomeço. Portanto: fim. 

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...