domingo, 25 de dezembro de 2022

perdão

Por que não vemos?  É tão claro, tão simples.
O perdão carrega em sua origem uma grande decepção.
Só é preciso perdoar quem nos feriu, nos magoou. Quem roubou de nós nossa alegria, dignidade e fé.
Se o outro é impecável, se jamais pecou, não é necessário perdoar. Perfeito!
Mas, humanos, erramos! Humanos, lutamos contra deixar ir a dor que estamparam em nossa cara, que atravessaram em nosso coração.
Perdoar é tirar a dor de dentro do amor, ainda que permaneçam os limites e a distância. Ainda que saibamos que é no passado que o outro morará.
Perdoar é deixar mais leve a bagagem, e seguir com as boas lembranças, mesmo que poucas, com os frutos. Com os sonhos. Com a fé de outrora.
É continuar com passos suaves, por um caminho que nos leve cada dia para mais distante de onde nos feriu – mas com alguma gratidão.
O perdão não precisa de forma, de voz, nem de razão.
Ela, a razão, sempre tão justa e equilibrada, pode pesar para um lado e outro, e por fim permanecer imóvel: aprisionando o perdão em seus pratos. Justa e cega é a razão, que não pode conhecer o perdão.
Para perdoar é preciso deixar a razão de lado, apagar as linhas do merecimento: eu não merecia, e portando quem me feriu não merece meu perdão.
É tão difícil: porque perdoar é horizontalizar a dor que levou o outro a te ferir, e a dor que imprimiram em você. É se nivelar, mas é fechar um ciclo.
Portanto, hoje eu me perdoo.
Perdoo-me por ter acreditado que merecia o açoite em minha carne. O título de burra, difícil, desequilibrada, de velha, de gorda – como fossem falhas.
De dependente, de ‘ruim’, de louca.
Eu me perdoo por ter acreditado que merecia todo ataque, a violência, os gritos, o julgamento, a frieza.
Eu me perdoo por pensar que minha amorosidade era fraqueza, e portando deveria ser tratada com desamor.
Por fim, somente aquilo que damos é verdadeiramente nosso. Não posso te dar um presente se estiver de mãos vazias; minhas mãos também não podem ser veículo de um tapa, se ele não sair dali..
Não posso dar um beijo, se não o fizer brotar de meus lábios. E é sua a ira e a raiva que você espalha em forma de agressividade. 
E assim, de tudo que tenho, e posso ofertar: hoje eu escolho o PERDÃO.

sábado, 10 de dezembro de 2022

estrada

Eu cai. Não sei, mas parece que passei algum tempo inconsciente. Olho ao redor e já não reconheço minha estrada. Eu tinha um plano... E era tão bonito. Eu estava no lugar certo, na hora certa. E tinha ali a pessoa certa, segurando minha mão. 
Talvez tenha sido apenas um sonho. Um delírio. Uma vontade faminta. 

E no agora, estou aqui, nessa estrada coberta de neblina, onde meus pés, por mais firme que os crave ao solo, parecem vacilantes. Mas eu sigo. 

E sinto. Tocam em meu corpo pessoas que não me deixaram, e não me deixarão cair. Sinto braços em torno de minha cintura, mãos segurando as minhas, ambas, enquanto eu tremo, e uma luz bruxuleante se mostra ali.

Já consigo ver árvores bonitas que me farão sombra. E sei que não caminho ao encontro de ninguém. 
O vento me soprou aos ouvidos que destino não é companhia, e Cia não deveria ser destino. O vento não me disse, mas finalmente entendo: talvez o destino importe pouco quando a estrada é mágica, e as cias encantadas. 

Talvez eu jamais refaça os planos, e simplesmente siga - com o vento que susurra, a chuva que lava, o sol que ilumina, e a lua com seus mistérios. Olhando, tocando em frente, sendo tocada por esses outros caminhantes curiosos. Talvez, meu destino seja simplesmente a estrada, a travessia

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

tristeza

Esse mar de água e sal, esse oceano de vida e afogamento, fui eu quem pranteou.
A minha tristeza é bonita e produtiva, nela choro mares, ríos, recifes, corais, e toda sorte de peixinhos.
Após tudo chorar, secam os olhos, mas, por vezes, não seca, não cessa, a tristeza.
Então sou barco sem rumo, numa maré revolta, em águas profundas.
Sou  nau a deriva.
Então, minha doce tristeza é âncora. Frescor e firmeza, que me para, me pausa, me desacelera. Então, no meio da tormenta posso me lembrar de quem sou, de onde vim, pra onde vou. E respirar sabendo que não naufragarei em meu próprio mar.
A tristeza é água salgada, mas também é respiro, vertedouro.
É a tristeza salgada que me leva de um porto ao outro, é a tristeza ancorada que me permite sobreviver. 

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...