domingo, 23 de fevereiro de 2020

Presente, lençol macio, suculenta ou filhotinho de cachorro?

Às vezes a gente diz que está sofrendo por amor, e a gente acredita nisso, de verdade. É físico. É avassalador, e é mentiroso. O sofrimento é real, mas o motivo é outro, jamais amor.

A gente sofre por ter sido abandonado, traído, trocado. A gente sofre por não ter sido valorizado. Por não ter na vida do outro o espaço que a gente abriu, a faca cega, para eles em nosso peito roto. E esse rasgo dói. Exige desapego, fé, esperança... E não na gente. A gente sabe o quanto é capaz de amar, eu, por exemplo, só sei amar infinito... Ou é assim, ou nada.

Então sei do tanto de amor que trago em mim, mas me questiono se o outro 'merece' algo tão... Meu, tão eu.  Vejo-me mergulhando, repetidamente, com tanto amor, em enxurradas lamacentas. Sofro.

 Travo uma batalha para me  convencer que o amor deveria ser livre, natural, portanto o distribuo, ou tento, para quem o faz brotar, mesmo sem entender se esse amor é só erva daninha. Vejo o amor florescer, e o ofereço. Observo o outro jogá-lo por terra, deixá-lo de lado. Deixar-me em qualquer canto.

E sofro. Não por amar, mas por não ser amada de volta. Amar alguém e não ser amado de volta é como dar um presente que o outro não quer. Pode ser o mais belo mimo, mas o outro pode simplesmente não o  querer.  A vó de uma amiga deu pra ela uma televisão, porque ela não tinha uma em casa: ela não tinha porque não queria. E mesmo sendo um presente bom, e caro, ela o devolveu. Ninguém é obrigado a querer o que temos pra oferecer, mesmo que seja o nosso melhor, o nosso amor mais macio, com cheiro de roupa de algodão recém lavada. Ou nossa suculenta mais linda, que precisa de menos água, e se espalha e floresce fácil. Ou um filhotinho de cachorro.

O amor que trago no peito é assim, fácil, e do tipo que quer que o outro seja feliz. Mas que em algum momento, queria poder ser feliz junto. Um filhotinho de cachorro.

Sofro por não poder deixar meu amor crescer, se espalhar, florescer. Ser trepadeira por todo canto. Desordenado. Mas esse amor é meu.

Não sofremos por amor, sofremos por não termos nossas vontades, sonhos e projeções saciadas. E às vezes é isso, às vezes você acredita, e acredita de novo, e dá o melhor de você a quem realmente não quer, ou não merece, porque existe sim um mínimo de reciprocidade para que você fique ali, tentando criar laços. Existe amor próprio. E o amor que você oferece ao outro não pode ser maior que o que você sente por você.
Mas o amor não é essencialmente o estabelecimento de laços. Ele é querer bem ao outro.
Então...

 Não deixe de fazer seus terrários, com plantas lindas porque não sabem admirá-los. Faça-os, ofereça-os. Ou deixe que esse amor enfeite seu jardim. Quem sabe um dia alguém que admire florestas não se aproxima, e faz entre suas folhas bagunçadas e selvagens morada.


Ame, e tente não se corromper quando não perceberem, ou não quiserem o que você traz de tão bonito. O mais belo poema russo jamais fará total sentido para mim, que não sei russo, e posso perder a onomatopeia mais linda por estar lendo uma tradução, e não estamos errados: nem eu, nem o poeta russo, nem suas palavras.

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...