segunda-feira, 29 de junho de 2020

Nunca mais


E chorou. Não pela surpresa da decepção, mas porque permitira ser tratada como sempre fora, mais uma vez, exatamente com havia sido todos os muitos anos que vivera ali.
Que esperança tola e infantil a levara a acreditar que teriam olhos que a vissem, e não que a atravessassem. Que aqueles ouvidos a ouvissem, e não que dessem razão apenas ao som seco do julgamento. Torpe tinha sido sua fé, que a levara a acreditar que depois de tantos anos eles não a magoariam novamente, e que ela própria não permitiria que aqueles gritos, e acusações açoitassem sua pele.
Talvez estivessem certos, finalmente percebera: era burra, limitada, ou talvez apenas ingênua e pueril – acreditar que as pessoas podem ser melhores, principalmente sem desejar sê-lo.
Ali estava ela, ofendida, chorosa – sentada ao chão, como a menina que havia sido anos antes – esbofeteada (daquela vez literalmente), agora apenas na alma, sem o abraço que sempre sonhou.
Sem o calor que nunca lhe fora familiar. Pela ‘incontável’ vez prometeu-se não permitir mais que lhe tratassem daquela forma. Pensou em encerrar-se ali, para não correr o risco de errar de novo – mas optou por tatuar na pele de dentro do seu corpo, e escrever para si um lembrete que dissesse: agora sim, nunca mais.


terça-feira, 23 de junho de 2020

Um dia a gente acaba por entender que os melhores e mais felizes momentos de nossa existência nada têm a ver com holofotes, vestidos de gala, festas suntuosas e plateias.

Eles não são postos em exibição - são vividos em contemplação silenciosa; não podem ser capturados, nem tão pouco revividos, mas tem cheiro, gosto, toque e a voz da saudade - por hora deixam bilhetes que ficam por eras esquecidos.

Meus mais felizes momentos costumam ser firmemente costurados por xícaras de café, bolinhas roídas, pôr do sol, abraços, latidos e pêlos e mordidas, panela no fogo, copos lagoinha, camas (macias ou não), estradas, risadas pelo nariz, e eu já disse abraços?

Os retratos (sim, porque gostaria de poder retratar minha alegria) seriam, certamente, um desastre, se alguém por acidente lembrasse de tirá-los, ou por vezes até impróprios ao público, porque  - me repito - o mais precioso não fica exposto na vitrine, guardamo-lo no canto mais caloroso e protegido da forja de nosso coração - é simples. 

... e hoje, teve cheiro de tangerina, gosto de bergamota, alma de menina mexeriqueira.  

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...