segunda-feira, 29 de junho de 2020

Nunca mais


E chorou. Não pela surpresa da decepção, mas porque permitira ser tratada como sempre fora, mais uma vez, exatamente com havia sido todos os muitos anos que vivera ali.
Que esperança tola e infantil a levara a acreditar que teriam olhos que a vissem, e não que a atravessassem. Que aqueles ouvidos a ouvissem, e não que dessem razão apenas ao som seco do julgamento. Torpe tinha sido sua fé, que a levara a acreditar que depois de tantos anos eles não a magoariam novamente, e que ela própria não permitiria que aqueles gritos, e acusações açoitassem sua pele.
Talvez estivessem certos, finalmente percebera: era burra, limitada, ou talvez apenas ingênua e pueril – acreditar que as pessoas podem ser melhores, principalmente sem desejar sê-lo.
Ali estava ela, ofendida, chorosa – sentada ao chão, como a menina que havia sido anos antes – esbofeteada (daquela vez literalmente), agora apenas na alma, sem o abraço que sempre sonhou.
Sem o calor que nunca lhe fora familiar. Pela ‘incontável’ vez prometeu-se não permitir mais que lhe tratassem daquela forma. Pensou em encerrar-se ali, para não correr o risco de errar de novo – mas optou por tatuar na pele de dentro do seu corpo, e escrever para si um lembrete que dissesse: agora sim, nunca mais.


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