Hoje eu colhi as últimas mexericas.
Agradecia a árvore enquanto lembrava que meses antes eu
havia desejado silenciosamente a possibilidade de aproveitar-me, pelo menos um
pouco, de seus frutos, antes de partir. Lembrei-me de quase ter matado sua
vizinha, um pé de acerola, por não regá-las, por não ver na vida razão de ser –
mas isso foi em outra vida, uma que acabou.
Enquanto colhia os frutos, e admirava o chão coberto de
frutos destruídos por meus cães, e pelos papagaios que me vem visitar e latir,
quando meus cães se esticam por tempo demais embaixo do sol, pensava em quantos
frutos tinham sido colhidos, em todas as pessoas que tinham se aproveitado
comigo das pequenas e mexeriqueiras criações
daquela árvore. Quantas sacolas cheias de tangerina levei em meu carro; quantas
horas me esticando para ‘panhá-las’ e dividi-las com os meus; quantas sementes
transportadas, algumas plantadas, outras comidas por pássaros e pelo Doritos,
outras simplesmente descartadas, sem saber dos pomares que carregavam dentro de
si, de como as pessoas iriam adorar seu frutos, e falar deles em almoços de domingo,
nas redes sociais, ou em café da tarde entre mãe e filha.
Uma pontada de tristeza passou feito nuvem leve por meus
olhos, sem saber se novamente poderei desfrutar de tão simples, pequenos e doces
frutos. Olhando para cima, para as derradeiras e murchas bergamotas ainda
coladas no pé, vi o céu azul, senti o vento de agosto que soprava a terra seca
em meus pés, e vislumbrei, no ponto onde a mexeriqueira e a amoreira se encontravam,
os primeiros pontinhos pré-enegrecidos do pé de amora.
Aquele pé de amora... que tanto insistiram para que eu
cortasse: não cortei. E hoje ele veio me lembrar – há sempre uma estação, uma
estrada, para recomeçar, para nos adoçar, para nos dar esperança. E enquanto essa
terra aqui, dura e pouco fértil for meu
lar, eu a abraçarei com carinho: sendo grata por tudo que nesse chão brotar e
frutificar – e mesmo quando não. Farei daqui meu reino, um pomar de sonhos e alegrias,
que como a temporada de mexericas encontrará seu fim; e que como a temporada de
amoras, se iniciará – nessa terra, ou em outro lugar.