terça-feira, 4 de agosto de 2020

Mestres

Tudo é lição, aprendizado. Todos são mestres.

A chegar ao mundo, o ar nos ensina a respirar. Ninguém além desse gigante sem forma, nos penetrará as narinas, e os pulmões – essa lição nos manterá vivos, e nos fará chorar. Respiração e lágrimas. Primeiros passos de uma estrada que percorreremos até não conseguirmos mais preencher nossos pulmões em movimentos cíclicos e molhar o caminho com a água salgada que faz tudo brotar.

Aprenderemos a nos encostar sedentos no seio de nossa mãe, e nos alimentar do líquido quente que nos ensinará o amor, a segurança, o abraço – pelo menos a maioria de nós aprenderá assim, ricos e pobres, em quase todo o planeta. Mas se o acalanto de se achar ao peito de uma mãe não vier, o amor, cedo ou tarde se aproximará.

Aprenderemos entre quedas a caminhar; entre caretas e recusas quais os alimentos gostamos, e que devemos ou não comer. Aprenderemos sobre como o fogo aquece, mas também destrói; como a faca corta, e que alguns ‘amigos’ nos empurrarão do escorregador.

A vida é aprendizado, e cada professor é mestre. Aprenderemos a calma, seja pela voz macia de mãe, ou tia, ou pela dor de esperar por um sonho que, por mais que persigamos, parece estar sempre atrasado. Aprenderemos nossas habilidades, seja pelo prazer do ofício, ou pela urgência de sobreviver.

E aprenderemos que aquilo que não nos mata, de uma forma ou outra, acaba por nos fortalecer – por vezes descobrimos que mesmo despedaçados conseguimos sobreviver, rir, e sonhar de  novo. Há quem nos ensine pelo exemplo, velas na escuridão que nos doam sua luz, sabendo  que não se tornam menores, mais cálidas, gélidas por nos iluminar. A quem tente nos apagar pelo simples prazer de ver-nos extinguir a luz e o calor – e sem saber ensinam-nos a fazer luz onde nem  física, nem intuição poderiam prever, ou ter receita.

A quem nos tome pela mão, e nos guie, ou apenas nos acompanhe em nossos caminhos. A quem nos roube o alforje, as vestes, e até o alimento. Nos fustigam a carne, e nos deixam sob céu ensolarado, esperando que pereçamos. Se não nos matam, criamos raízes, e brotamos de novo.

São esses os mestres do fogo. Destroem-nos, tentam destruir-nos, com suas cegas labaredas, para se irritarem ao ver-nos brotar novamente na chuva seguinte. Parecem ensinar, e pouco aprender. Não percebem quem nem sempre hão de vencer. Seguem tentando, queimando-nos, seguimos brotando.

Ar, água, terra e fogo. Sangue, lágrimas e recomeços, sonhos que se despedaçam dando lugar a outros. E a gente vai aprendendo, sem se prender. Talvez a aula não acabe, e não possamos descansar até aprender algo que sequer sabemos existir: fé, afeto, sabedoria, calma, raiva, pressa ou letargia – tudo deve ser esmiuçado, e tatuado em nosso corpo, arquivado em nossa memória – até o dia que o ar não nos preencherá os pulmões, estarão cheios da vida que aprendemos, rio corrente que chegou ao mar.

 

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...