Hoje
é domingo, de Páscoa. Acordo após ter ido pra cama cedo, no dia
anterior. Raridade eu ir para cama, e principalmente dormir no dia
anterior: quase sempre caio no sono depois de já ter virado abóbora.
Acordei
no sobressalto, sem alarme, mas com o latido dos meus cães que
avisavam que já era 8:30, e que o rapaz que iria se livrar do mato
do meu quintal que já ameaçava arranhar o céu chegara. E eu ainda
estava vestida com meus trapos de dormir, com muito sono nos olhos,
sem alimentar os canídeos e soltá-los no gramado para se aliviarem.
Pulei da cama ignorando a coluna que lateja sem parar, e peguei o
celular para olhar as horas. Eu ainda tinha mais 60 minutos para
fazer tudo.
Enquanto
me aliviava, aproveitei para dar uma olhada nas redes sociais,
aproveitando os cinco minutos de ócio matinal, contados no relógio.
Fui surpreendida por um texto bem realista cujo título já diz muito
“Não me chame de guerreira” (link:
https://microcelebridade.com/2018/03/12/nao-me-chame-de-guerreira/).
Enquanto
eu tentava recrdar se eu tomara banho na noite anterior, antes de ser
roubada pelo sono, assistindo um episódio de uma série, que também
não lembro qual, fiquei pensando nesse rótulo que nós mulheres
modernas carregamos como burros com viseira: forte, guerreira,
heroína. Eu os ouvi com muita frequência nos últimos meses,
enquanto eu chorava deitada no chão por ter fracassado mais uma vez,
sem conseguir me reerguer. As pessoas diziam você é forte, você
vai ficar bem.
O
único pensamento que me ocorria era: me levante daqui, me dê sua
mão. Sou fraca, sou frágil, não consigo sozinha, não sei o que
fazer. Hoje percebo que segui, não porque era forte, mas porque não
tinha outra opção. Guerreira? Sim, mas ao solo, após ter perdido a
batalha, os anéis e muitos dentes para a vida.
Segui,
e já consigo me abrir, com muita falta de vontade, para pessoas que
me perguntam: o que você faz da vida? Suspiro, e em milésimos de
segundo penso no que a vida faz de mim, e em que tipo de resposta
esse ser a minha frente deseja. Não me importo com a segunda opção,
e começo a rezar meu rosário: sou servidora pública federal (não
trabalho na Cidade Administrativa); professora por formação e
paixão, e atuo como autônoma na área nas 'horas vagas'.
Claro
que vem sempre a cantada de “Hum, então você vai me ensinar...”
a qual eu sempre respondo, com a pouca munição de paciência que as
inúmeras batalhas me permitiram manter, e digo: claro, mas não
negocio meu preço; qual a sua disponibilidade de horário? Se o
carinha está realmente interessado, ele ignora o meu sarcasmo – o
que quase sempre acontece; e continuamos com o papo de borracha, até
eles saberem que: além de dois empregos, que consomem 46 horas da
minha semana, passo pelo menos 3 horas do meu dia atrás de um
volante; moro sozinha, e também sozinha cuido dos afazeres
domésticos (lavo, limpo, cozinho, faço supermercado, sacolão –
não arrumo a cama e não passo roupa 'porque a vida passa, e a gente
nem vê). Cuido do meu time de futsal canino – comida, carinho,
banho, passeio. Faço pilates, yoga, aula de violão, terapia. Visito
minha mãe duas vezes por semana, e vejo minhas amigas. Ainda escrevo
um blog.
Daí
vem a pergunta, mas como você dá conta – e eu nunca tinha pensado
de fato nisso, preferia 'cuspir' um 'nem eu sei' e acabar logo com
isso. Mas o texto de hoje me fez pensar, e a resposta é: eu não dou
conta. Faço porque eu preciso, e faço tudo porcamente.
Cozinho
apenas aos domingos, e como a mesma comida (rica e balanceada, pelo
menos) a semana toda, na minha estação de trabalho, em frente ao
computador do trabalho. Mesma estação de trabalho que por vezes,
serve de cama, tanto para eu dormir quando tive insônia na noite
anterior, quanto para eu chorar, quando a angústia me transborda e
eu soluço sem ao menos entender o porquê.
Meus
cães, que passeavam todos os dias, e tinham seus pelos escovados e
lavados pelo menos duas vezes por mês parecem agora membros de um
grupo de reggae aposentados: gordinhos, e cobertos de dread, com as
vacinas praticamente em dia. Saem para passear sempre que eu chego em
casa antes das 21:00 e meu corpo não está muito dolorido das
quedas. Mas recebem e dão amor como outrora.
Minha
casa coleciona pêlos de cachorro; as vidraças estão embaçadas; há
aranhas vivendo nos cantos, e os plafons se transformaram em
cemitérios para insetos distraídos. Reclamo de cansaço durante a
aula de pilates; anseio pela yoga nidra durante a prática semanal.
Pratico violão só quando dá.
Lembro
de molhar as plantas apenas quando elas já estão murchas,
contrastando com o mato verde e até florido do jardim, do quintal,
de minhas pernas, e de todas as partes de meu corpo que não depilei
com laser.
Vou
empurrando tudo com a barriga, que cresce a medida que recorro a
comida e a bebida para 'dar conta de tudo', até último instante. Já
me acostumei a limpar a casa antes da visita chegar. A andar com o
carro na reserva. A não ter comida na geladeira, a dormir quatro
horas por noite, a afagar meus dogs enquanto respondo minhas
mensagens profissionais.
Acostumei-me
a comprar roupas na loja baratona no caminho do estacionamento onde
deixo meu carro para ir trabalhar, a ver minha mãe entre as minhas
aulas. A fazer terapia apenas duas vezes por mês, porque não tenho
grana e porque só tenho horário segunda-feira às 21:00. A ver meus
sobrinhos bem menos que gostaria. Aprendi a sentir falta dos meus
irmãos. Aprendi a ser mais ou menos em tudo. A baixar minha
expectativa.
Dou
conta de tudo porque aceitei que preciso seguir, mas que vou fazer
apenas o que tiver ao meu alcance. Rio quando meu pão murcha após
sair do forno; quando um cão come alguma planta. Dou 'bom dia' as
aranhas que dividem os cantos comigo. Compro os legumes e frutas que
posso encontrar no supermercado. Olho para minha cama sem arrumar há
meses e vejo o livro que comecei a ler na noite anterior, sem a
marcação da página onde deveria recomeçar, e penso: que bom,
preciso mesmo relembrar o plano de Guy e Faber, e se há de fato um
plano.
Somos
guerreiros sim, detonados o tempo todo. Não está dando certo para
ninguém, e aprender a conviver com isso é que nos faz dar conta: me
transformei numa máquina de aceitar minhas limitações e fracassos.
Se a barriga parece grande, é porque deve estar mesmo – troco a
roupa para esconder, ou saio com a barriga a mostra mesmo. Afinal
pelo menos parte de mim vai chamar atenção.
Entenda,
não está perfeito para mim, nem para ninguém; eu não dou conta;
estou dando cabeçadas por aí fazendo o meu melhor, mas só quando
eu posso – às vezes faço meu pior, ou não faço nada e fico
deitada no chão, coberta de baba de cachorro enquanto choro;
aceitando que às vezes vou ser uma bosta mesmo; que isso não vai de
fato fazer diferença nenhuma - importante é seguir tentando. E
seguir tentando é seguir conseguindo sobreviver, mesmo se a conta
não fechar; se você atrasar o pagamento; se cortarem a água e a
luz; e se o carro parar na rodovia. Tens pernas.
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