segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Cão Chupando Manga



O que você responderia se um desconhecedor do vernáculo lhe perguntasse o significado da expressão “um cão chupando manga”? Pessoalmente já a vi sendo utilizada para descrever pessoas de temperamento difícil: sogra, esposa, chefe, namorado, filho. Qualquer ser de difícil trato pode ser descrito dessa forma.
Acredito que cão, nessa expressão especificamente, não seja melhor amigo do homem, e sim o demônio, o diabo, lúcifer, capeta, sete pele, e tantos outros nomes: mas porque ele é descrito chupando manga me foge ao entendimento – se ao menos estivesse chupando manga com leite poderia entender… mas só manga? Acho que tamarindo se enquadraria melhor na expressão: azedo de deixar feio até o semblante de Giselle Bunchen.
Enfim, hoje eu acordei de madrugada, me sentindo o próprio capiroto que degusta um maracujá azedo, com uma raiva lascada do meu trabalho na repartição. Mas hoje também fora meu primeiro dia de férias, portanto não precisava de tanto: abstraí, repassei o fim de semana, as conversas com os 'crushes', e a conversa que eu gostaria de ter tido com o detentor da prioridade que deu para me ignorar sem saber que, assim como cachorros, eu adoro carinho e atenção, e que basta uma borboleta passar do meu lado para eu ir abanar o rabo por outras bandas se o chamego em minhas orelhas e barriga cessar.
Enfim, pensei na vida, assisti a um filme, fui ridícula nas redes sociais. Acabei caindo no sono e acordei as 7 da manhã de uma segunda-feira, com o humor de quem não precisa trabalhar, mas que vai ao escritório só para reencontrar a amiga que não via há um mês, e pegar as mangas que um colega de outro setor prometera.
Nunca fui uma pessoa muito fã de manga: via meu pai se sentar na frente da TV e consumir umas vinte de uma vez e achava aquilo pitoresco. Tínhamos um pé de manga ubá no quintal, que fazia sombra no puleiro do meu falecido galo garlinzé e na janela dos vizinhos.
Nos primeiros anos de produção quase todas as mangas foram atacadas por moscas, e portanto cheias de bicho e impróprias pro consumo: mas nosso cão Scooby as devorava. Cansado de varrer folhas, pauzinhos, florzinhas e maguinhas para que apenas o cão chupasse as mangas, meu pai, um homem engenhoso, ensacou todas as mangas antes de amadurecerem: problem solved!
As mangas no nosso quintal eram enormes gotas de mel, disfarçadas com “capas” de manga. Mas a ignorância da juventude me privava de bom gosto, e eu dava pouca atenção para as deliciosas mangas.
Só fui me apaixonar pelo fruto anos depois, quando meu teimoso pai já havia cortado nosso frondoso pé de manga porque, além de mangas, ele dava muito trabalho. Ironia a manga ubá ser a minha favorita. É como se apaixonar por alguém no momento em que ele bate a porta para nunca mais voltar: ok, estou romântica hoje, mas a paixonite nos faz fazer e dizer coisas estúpidas, mas eu prometo (tentar) me controlar.
Enfim, foi com muita alegria que ganhei na semana passada quatro mangas – UBÁ – de um colega de trabalho. Devorei-as em uma sentada, e mesmo sendo atéia, rezei em segredo para que ele me oferecesse mais. E ele o fez: prometeu levar as mangas hoje, meu primeiro dia de férias. É claro que eu não exitei em rodar 35 quilômetros para ir buscá-las e reencontrar minha amiga.
Amiga que, estando grávida e sendo apaixonada pelas danadas das manguinhas levou metade do meu presente: não quero ter bonitinho no olho, nem que a filha dela nasça com cara de manga.
Voltei para casa com carro cheiroso, louca para abocanhar uma manga e ter o sumo escorrendo em minhas mãos e boca.
Correria: aula de 1:30 as 3:30, trânsito, aula de 5:00 as 6:00, pilates, gelo, cachorros, yoga. Terminei a aula de yoga e meditei sentindo o perfume das ubás em minhas narinas.
Vim correndo para casa, o coração acalentado pela certeza de que nenhuma paixonite mal correspondida poderia superar a suculência e doçura das seis mangas que me esperavam em cima da mesa. Abri a porta, e toda a casa exalava o perfume, contudo as mangas jaziam sem casca e sem polpa no chão da cozinha e área de serviço.
Diana, prima carnal do capeta, que já havia atacado sacolas de compra e me deixado sem queijo para uma lasanha pegou minhas gotinhas de mel – todas – as devorou sem amor, sem deleite, com um apetite voraz de quem tem medo de ser pego em meio ao ato, com a 'boca na botija'.
Da doçura das mangas só restou o cheiro, e a textura açucarada no chão por onde pisei.

Assim defino a expressão: um cão chupando manga.


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