A
gente cresce, e imitando a natureza tenta ser tão independente
quanto o passarinho que a mãe empurra do alto da copa de uma árvore
e grita, por trás de um canto doce: “voa filha da puta, se você
não bater a porra dessas asinhas, engordadas com meu esforço
hercúleo para te trazer insetos, vai se esborrachar lá embaixo e
atrapalhar meus planos de deixar descendentes férteis.”
Sei
bem que nós humanos temos demorado cada vez mais para largar o
ninho, e usar as asinhas, que ficam cada vez mais gordas e impróprias
para o vôo. Mas alguns de nós ainda são treinados para não
espatifar no solo, e conseguir arranjar o próprio rango – na
melhor das hipóteses ter seu próprio ninho, e para de piar pedindo
socorro cada vez que um probleminha ocorrer.
Vivi
na casa dos meus pais por três décadas, porque queria sair e voar
sem medo de ter que voltar. Sei que a cama estará sempre feita, os
braços abertos, o café na mesa. Mas sempre sonhei com a liberdade
de voar em piruetas, não seguindo o curso reto, planejado traçado
para mim. Não há nada errado com a trajetória de voo que sonharam
pra mim, mas ela é diferente do que eu quero fazer. Eu quero um voo
que mais pareça uma queda livre, de uma liberdade que gela o
coração, dói o peito, paralisa temporariamente as asas, que voltam
a bater com vigor antes da queda – estão programadas para
sobreviver a qualquer custo, apesar de qualquer dor, perda ou
desengano.
Quero
a emoção camicaze dos voos que vão, e talvez não voltem. Por isso
as conversas sobre meus rumos sejam tão difíceis. Não os tenho
agora, quero voar em círculos, pousar em árvores altas e saltar, me
entregar ao ar. Quero voar ao lado de aviões, drones, pipas e
balões, sem pensar se me encaixo, sem pensar em quanto tempo vou
ficar.
É
preciso entender que eu TENTEI – voei seus voos: achei um par, fiz
meu ninho, e lá tentei existir. Perdi minhas asas, meu canto, caí
do ninho. A tempestade veio e disse: voa filha da puta. E eu gostei.
Gostei dos imprevistos, de caçar sozinha, de fugir de gaviões,
raios, gatos e da fome. Da minha trajetória sem destino, de quem
apenas voa por ai, aproveitando o vento.
Tenha
certeza que se precisar, eu voltarei, por mim ou por vocês, mas
deixe me ir por aí, batendo minhas asas a esmo, sem torre de
controle, sem regras, sem conselhos. Se a queda for irreversível,
talvez quebre minhas asas, mas aprenderei, outra vez, a caminhar por
aí.
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