quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Pequena morte

 

 




Um pedaço de mim morreu. Era bonito, caloroso, sonoro. Era aventureiro, destemido, feliz. Era a parte tingida de vermelho dentro de mim. Parecia um pedaço pequeno, até mesmo para olhos bem treinados. E vazia, parecia leve – segui.

O vazio deixado por aquela pequena morte foi aos poucos sendo ocupado, canto abandonado no jardim, tomado por toda sorte de mato selvagem depois do primeiro dia de chuva fraca. A chuva, que poderia ter sido refresco para terrenos quentes, foi alimento pro mato que queria nascer, e tendo espaço e solo fértil germinou, brotou, tomou conta de tudo.

Como labareda que outrora ocupara aquele lugar, o mato tomou conta de tudo, com violência, cegueira, e dor. Impiedoso ocupou não apenas o espaço deixado pelo pedaço que sucumbiu, cobriu tudo. Ali, não havia mais flor, vida, verde, ar, não havia mais sol, só havia o mato desordenado, sufocante, onde nem a mais leve das borboletas poderia sobreviver.

Apenas mato seco, e a vida rasteira e venenosa; e o medo da secura rachada, e da vida - rasteira e venenosa; e de uma nova morte. O coração batia dilacerado, o ar chegava incendiado aos pulmões, o corpo tremia. Era instinto de fuga, porque nova morte é certa.

Agora vivo com medo, qual pedaço de mim me abandonará? O recém-nascido oco e infértil de quem quero me livrar, e que precisa morrer? Por vezes um sussurro diz que apenas  matando o todo, poderei matar o oco. Há nesse momento um nada sombrio que toma conta de tudo que era alegria. É como se sorriso fosse palavra que não existe no dicionário.

A pergunta não cala, jamais, está em cada batida doída em meu peito pesado: qual pedaço de mim se despedaçará? Qual dos quatro cantos no meu mundo?

Uma pequena morte, um pequeno vazio. Um fósforo incendiário no seco mês de setembro, quando o chão se abre sobre nossos pés – um pouco de cada vez, e nos engole inteiros, sem promessa de devolução.

 

cura

Disseram-me que eu me curaria. Mas como me curar da própria vida, da própria história, daquilo que indiscutivelmente desenhou linhas em meu ...