sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Esperança Barata

Dizem por aí que ela é a última a morrer. Às vezes acho que como fênix dá seu último suspiro para renascer logo ali na esquina. Dizem por aí que esteve presa na caixa de Pandora, aquela que possui todos os dons, e ainda sim carregou junto de si todos os males – inclusive essa biscatinha tão resistente quanto às baratas.

Nietzsche descreveu a esperança como o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens. Estava certo. Chego a ficar aliviada quando acho que deu seu último suspiro, e finalmente me deixará em paz, para puxar angústia, deitada em minha cama, sem ansiar por dias melhores, por amores correspondidos, por cães adotados, por carros que não parem nas rodovias, por comidas deliciosas que não engordem, por beijos que não demorem muito, por gozos que satisfaçam, por um sono que revigore.

A desgraçada vai embora, e acordo em plena sexta-feira ensolarada de um mês de janeiro com o pior mal humor do ano: noite agitada, com sonhos de uma passado recente e triste, salpicado de abandono e mágoa. Com um dia a frente que promete trabalho chato, papelada e olhadelas lascivas para a janela do sétimo andar. Vi meu ex-marido hoje. Tive a oportunidade de atropelá-lo, mas apenas suspirei.

Conversarei com uma advogada para falar de um futuro incerto, em que estarei sozinha e financeiramente quebrada: exatamente como agora. Chego a sentir as rugas entre meus olhos se aprofundando: e sinto que não haverá nem esperança, nem botox para transpô-las dessa vez. Morreu de vez – vá em paz.

Olho meu celular, depois de ter reclamado com um quase desconhecido e ele diz “Espero que melhore”. Inconscientemente eu digo “eu também”. A maldita esperança cascuda como uma barata, que estava ali, no canto da sala, com as pernas para cima, e seu interior meio para fora, depois de ter sido sapateada pela vida começa a se mexer. Porque a gente sempre espera que melhore.

A gente espera que o sorriso volte, e que amanhã as lágrimas sejam de riso. Que o vinho seja seco, mas que o beijo seja molhado e doce. A gente espera que a paixonite seja correspondida, e que ele ligue, mande mensagem, ou sinal de fumaça. A gente espera que os filhos-da-puta-do-mundo acordem e tenham esperança de que podem ser melhores, e que junto com essa esperança-barata venha também a vontade e a ação.

A gente espera que a respiração fique mais fácil, que olhar seja direto. E que a esperança fale grego, donde poderá ter vindo: e ser expectativa de dias sem males, de mares calmos, e amores mansos.

 

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