terça-feira, 9 de janeiro de 2018

300 dias

Então ela quis morrer. A dor que sentia no peito era tão cinza que a colava na cama quando o dia nascia. Era como se sua respiração não pudesse mais mantê-la viva, como se o sangue que corresse em suas veias fosse para o mar sem antes fazer seu coração bombear.
As lágrimas eram o único movimento comum em seu corpo. Extravasavam a angústia que ela não conseguia compreender. Foram suas únicas confidentes por cerca de 300 dias, enquanto a dor a consumia por dentro, e o descaso a descascava por fora.
Então ela desejou fortemente morrer. Olhava pela janela sem ver o horizonte, via o chão que a convidava a se deitar. Atravessava a rua, e olhava sim para os dois lados, mas mais fixamente para as rodas dos veículos, que com um rápido movimento poderiam cessar os movimentos dela, que só lhe causavam dor.
Foi preciso muita coragem, e muita descrença. Foi preciso se lembrar várias vezes que a vida em si é um milagre, é uma raridade, é uma aberração, e que, portanto não se pode jogá-la fora dessa maneira.  Decidiu fazer de sua vida um “Freak Show” que devia continuar.
Foi preciso engolir o choro, e junto com ele vários comprimidos para que a sombra começasse a se dissipar. Juntamente com a sombra, foi-se embora metade de si. Justamente aquela que parecia ser a melhor. Não entendeu. De tanto almejar a queda, o chão, lá estava ela. Sozinha, como nascera. Imóvel, gelada. Quase morta.
Contudo aquele não era o fim, era apenas o ápice do roteiro. Quando toda a desgraça se aloja, e o leitor perde o fôlego. Mas ela não era a leitora.  Ela era a mocinha, a bruxa, a vilã, o cenário, o começo, o fim, a capa – seguiu ainda que sem fôlego.
Ela era tudo ao mesmo tempo que era nada. Mas não se contentou com a segunda parte. Trocou o figurino, engoliu mais alguns comprimidos, e foi lutar.
De tanto querer morrer, matou-se por dentro. Congelou o próprio coração. Proibiu-se de companhias que a roubassem de si. Tomou gosto por estar em sua própria presença. Superou o medo das janelas, do chão e das rodas. Perdeu o medo da vida, da solidão. Seguiu sozinha como disseram que iria. E gostou disso mais do que deveria.



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