sexta-feira, 6 de abril de 2018

A gente é feito pra acabar

'O ser humano é um animal racional'.
Gostaria muito de saber quem foi a primeira ameba que começou a espalhar essa fake news. Ameba não, porque amebas não falam, portanto apenas um papagaio, um corvo ou um ser humano poderiam ter começado esse boato. Meu profundo conhecimento de ornitologia diz que papagaios e corvos apenas repetem o que foram ensinados - jamais me esquecerei do poema de Edgar Allan Poe e seu corvo agourento, Nevermore... Então, através da pouca lógica que tenho só posso presumir que foi um humanídeo que começou com essa falácia.
Entendam não estou dizendo que sejamos estúpidos ou incapazes. Nossos cérebros são máquinas elaboradíssimas capazes de intrincadas abstrações. Compomos sinfonias, criamos máquinas para quase tudo - cafeteira, batedeira, panificadora, sanduicheira, microondas. Jogamos nossos semelhantes no espaço sideral, e alguns de nós são tão criativos que criam a possibilidade de aquilo ser mentira. Adoro analisar esses cérebros exóticos, mas com uma certa distância porque tenho medo de ser contagioso.
Escrevemos poemas, e histórias de amor tão lindas quanto irreais. Do mofo tiramos a penicilina; de um medicamento pensado para problemas cardíacos, criamos a pílula do amor azul. De um xarope a Coca-Cola.
Mas mesmo assim continuo achando a gente bem limitado, viu?!
Pergunte-me por quê, por favor! Perguntou?!
Se não, vou responder assim mesmo. Demoramos uma vida para aprender lições as quais somos expostos todos os dias. Tipo, meus cachorros, todos, só tentaram atacar a churrasqueira uma vez: se queimaram e depois ficaram de boas, sentados olhando para mim enquanto como minha batata assada e meu pão de alho. Eles sabem que o olhar amendoado, mirando em meu coração e as orelhas murchas são muito mais eficientes e menos doloridos que um jump na churrasqueira.
A gente não. Quer um exemplo?!Todo dia a vida esfrega em nossa cara que tudo acaba um dia, mas a gente falta morrer cada vez que acontece.
A gente mama, o leite acaba, e a gente chora. O banho acaba, a gente chora. O achocolatado acaba, a gente chora. A primeira infância acaba, a gente sofre.
Tudo acaba, a gente já viu essa lição tantas vezes. Ela até já deve ter caido em alguma de suas provas, que também acabaram.
A escola acabou, e você chorou como uma criança sem leite, porque não iria mais ver seus amigos todos os dias.
Daí você percebeu com o tempo que aquelas amizades também acabaram... É a lei da natureza!
Daí a gente passa uma vida, tentando parecer para sempre jovem, bonito e interessante, correndo atrás de um amor que vai durar para sempre... Se esquecendo, que tudo finda.
Então pense aí, se tudo finda porquê simplesmente não aproveitar o intervalo entre o começo e o momento que os créditos começam a subir?! E eles vão subir, seja ao término de um filme ou na assinatura do divórcio, que encerra um casamento que, apesar do que você sonhou, não era pra ser eterno. O casamento, festa e relacionamento, sempre acaba: no fim talvez estejamos bêbados, infelizes ou mortos... Mas ele vai acabar.
Aproveite a jornada, pois ela se encerra no destino, e a viagem de férias também terá o mesmo... Destino.
Acabamos. Portanto nos acabemos em amor, em riso frouxo, uns nos braços dos outros, nos acabemos onde encontramos a felicidade, sem pensar no futuro. Ele é o presente do passado, e encontrar a alegria no agora é nos presentear.
Entregar-me-ei em queda livre aquilo que me faz feliz, ainda que ela dure uma hora. Afinal eu não deixo de pular carnaval porque ele acaba em alguns dias. Eu me permito saborear meu vinho mesmo sabendo que aquela é a última garrafa. O relógio bate meia noite e a festa acaba para a Cinderela... mas houve festa, houve dança e valeu a pena. Não porque ela viveu feliz pra sempre com o príncipe. A abóbora virou carruagem, os ratos se transformaram em cocheiros. E é claro que valeu a pena. Portanto acaba-se, na alegria e nos braços de um amor que te faz feliz; vire aquele copo de cerveja com sede; deixe o sol invadir a sala e acabar com a escuridão.
E que ao fim você perceba que tudo valeu a pena.
the end.

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