quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Para onde apontar o meu rabo?

Eu saí com um cara recentemente. E isso deveria ter sido bom: desde que meu relacionamento de mais de uma década se encerrou, eu ando batendo cabeça nas paredes por aí, ou melhor, correndo em círculos, como um cão que persegue o próprio rabo; ou ainda como o cão vadio que corre atrás dos automóveis que passam. Assim como os caninos, tudo o que quero é alcançar meu objetivo.

Agarrar aquela roda, ou aquele ‘chumaço’ de pêlos que parece estar sempre a me perseguir – ou stalkear, caso você não conheça o verbo perseguir, do português arcaico – é meu grande objetivo. Faço esforços hercúleos, me entrego a tarefa, levo meu potencial ao máximo, chego cansada ao fim do dia, sem nunca conseguir de fato ter meu objetivo dominado entre meus dentes, que cerram raivosos num bruxismo que  me assombra.

As pessoas parecem me admirar por minha dedicação, determinação. Minha personalidade ousada, alegre e incansável que não me permite desistir. Atraio pessoas diversas, com o objetivos análogos: somos um grupo heterogêneo de cães, vivendo em condições deprimentes, corremos atrás de nossos rabos, ou dos veículos em alta velocidade que podem até nos matar: admiramos nossa sagacidade e força, mas o que acontece se a gente, por fim, conquistar o objetivo?

O peludo que consegue pegar seu próprio rabo, solta-o na seqüencia. O que pega a roda do carro percebe, em seu fim, que foi ela que o pegou e ele gane enquanto vê sua vida se esvair da beira da estrada: dilacerante verdade.

O que quero dizer com isso? Precisamos rever nossos objetivos. Às vezes estamos tão cegos quanto ao que queremos que não conseguimos perceber que a linha de chegada não significa nada: é uma fita, é simplesmente o fim – e que o esforço para chegar até ela te impediu de olhar a paisagem, de respirar com prazer. O caminho te extenuou, te consumiu. E o resultado é efêmero.

Esse cara com quem eu saí poderia ter sido mera diversão, como é pro doguito correr atrás da bolinha e entregá-la novamente para seu dono. Eu estou acostumada aos resultados frustrados, e antes de alcançá-los, me divirto com toda a endorfina liberada na perseguição. Eu nunca ganho, já sei, mas me divirto enquanto me perco. Dessa vez não foi assim. Quanta angústia por não ter sequer chegado perto do automóvel.

Estou angustiada desde então, e não ‘tá’ legal. Talvez ele não tenha sido o carro, mas o cara que deveria jogar a bolinha – mas ele só fingiu que ia jogar a bolinha, veio todo pimpão, cheio de biscoitos no bolso, elevou o braço, com a bolinha no ar: me enganou. Olhei na direção que ele indicou, apenas olhei – não corri. Enquanto eu olhava ele se afastava, com a bolinha e com os biscoitos pelos quais eu tanto ansiava.

Depois de ter acreditado e desacreditado no amor, eu digo que tenho uma relação estranha com ele. Amo sem medida, e sou cercada de pessoas que também são assim – mas parece que somos um grupo pequeno, num universo de perversidade. Somos seres correndo atrás de objetivos, às vezes vazios, mas genuínos, cercado por outros seres que parecem não se importar com nossa frustração, e por vezes parece que é nosso fracasso o espetáculo que eles mais esperam.

Comecei a questionar meu objetivo: encontrar alguém com quem compartilhar minha alegria. E esse é o novo rabo que persigo. Achar respostas. Depois do encontro minha pele deveria estar bonita e iluminada, mas carrego um cenho franzido de quem não entende nada.  Não uso maquiagem, nem subo no salto desde então. Saí dos aplicativos de paquera, e tenho vontade apenas de ficar em casa, com meus cachorros, músicas e livros.

A busca me cansou, e me fez questionar se estou correndo atrás do objetivo certo. E a real é que sempre soube que não. Achar alguém não é um objetivo legal, a não ser que o alguém que você busca seja: PAH – VOCÊ MESMO!  

Quantas vezes eu já tive esse momento de epifania, mas basta meu rabo fazer sombra, ou eu ouvir o ruído do motor que minhas idéias se derretem, e lá estou eu no looping eterno. Basta.

Hoje, enquanto o cão dentro de mim deitava cansado ao solo, sem sequer conseguir aproveitar o sol percebi que me enganei quanto ao meu objetivo: eu não quero o carro, o objeto. Quero sua função. Quero sair de onde estou. Quero mudança. Esta zona de conforto onde persigo meu rabo não me cabe mais. Sei que já não quero mais estar aqui. Mas não sei para onde ir.

E aqui estou parada, perdida, abandonada como um cão no meio do nada – sem forças e nem coragem, sem bolinha e sem biscoito, sem rabo ‘perseguível’  e sem carro, sem corrente e nada que possa me prender: a liberdade me convida, o rabo – não mais perseguido, encontra-se baixo, mostra meu medo. Não quero mais tê-lo preso entre meus dentes, quero levá-lo para se abanar por aí. Mas tenho medo, e não sei para onde ir – meu faro ficou tempo demais no mesmo lugar, não sei que trilha seguir, mas já sinto que parti.  

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