quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Cada um tem seu tempo

Chamam de tempo, contudo eu ainda não consegui achar em meu vocabulário verbete para definir esse algo. Que pode se traduzir em tudo, ou em nada, dependendo do prazer que você desfruta ao vê-lo passar, se é que passa - ou nos é tomado.

Enfim, talvez eu o aprecie tanto por achá-lo raro, mesmo tanto tempo depois de ter ouvido que ele, o tempo, é o único bem realmente democrático: jovem ou velho, branco ou negro, japonês ou jamaicano - todos os seres humanos do mundo foram tocados com a maldição de ter apenas 24 horas por dia, e ter que dividir nelas, e apenas nelas, toda e qualquer porção de vida.

O tempo é deus que tudo sabe, está em tudo, e tudo pode. Ele é a cura para todas os males, e todas as dores. Com o passar do dias a dor da perda de um ser amado, cuja ampulheta derramou toda sua areia, torna-se saudade, sentimento manso de quem queria mais. Portanto o tempo também é o melhor remédio.

O tempo tudo governa. É nobre, é rei. Escasso, soberbo, imperativo. Nos dita regras e nos faz escolher.

E assim eu escolho passar meu tempo: acordo antes do sol, sem poder  saldá-lo. Não me posiciono com as mãos unidas em frente ao peito, não sinto seu calor me tomar, ao contrato: pulo da cama como um raio, corro do cansaço que divide a cama comigo, e tenta me segurar com seus cálidos dedos. Resisto aos cafunês e lambidas dos meus peludos que querem me convencer a mais um toque - como se eu não morresse  um pouquinho por ter apenas migalhas do meu dia a oferecer para eles - que se oferecem inteiros. Corro, mas não por esporte, e às 7:00, depois de   mais de 30 quilômetros percorridos, já estou no trabalho.  Há muitos dias que saio de casa às seis e retorno depois das vinte e duas.
Comprimo as horas no escritório, e o trabalho com ensino, com o trânsito e cerca de cinco horas de sono por noite. Sou responsável por mim 24 horas por dia e sete dias por semana. Supermercado, cachorro no veterinário, lavar, passar (que desperdício de tempo), cozinhar, estudar. Esforço para conseguir, e tenho hora marcada para tudo, como se tivesse várias fatias de tempo. Ledo engano.

Almoço no carro, engolindo uma fatia gordurosa de pizza, seguida de um chiclete de menta: as definições de refeição e higiene bucal foram atualizadas. Passo dias sem lavar os cabelos, e acabo tendo que inventar novos penteados, ou indo dormir com as madeixas molhadas. Acordo com uma capivara agarrada ao meu couro cabeludo. Mantenho roupas que não uso em meu armário, porque sei que duas semanas sem ligar a máquina de lavar, por falta de tempo, podem me custar mais do que o estilo: receio ter que ir de pijama pro trabalho, ou pior, enrolada em uma toalha.

Não sei como consigo colocar tantas coisas nessa sacola P,  com capacidade para vinte quatro horas - no sistema métrico, ou mil, quatrocentos e quarenta e quatro minutos, no sistema otimista; entretanto no meu milagre da multiplicação consigo três horas por semana para fazer Pilates e yoga - e vez o outra encontrar os amigos. Quando dou uma fatia de meu tempo a alguém, estou dando minha vida. É algo que poderia ser apenas meu, mas que decido dividir. Se aceitas meu presente, ele se torna passado, e quando vai,  não volta nunca mais.

Por tê-lo escasso ele é para mim mais valioso que um diamante. É comida no estômago de quem tem fome, água nos lábios de quem tem sede. É abraço pra quem tem medo. Fogo pra quem tem frio.
Se vejo-o desperdiçado, seja enquanto espero no dentista, ou me perco num congestionamento, me irrito em demasia.

Não suporto atrasos, perco-me de mim, pois perdi um pedacinho de minha vida esperando por alguém que certamente estava usando seu tempo para si, enquanto eu morria por uma hora. Tira-me a paz quando dizem que vem, mas não o fazem. Imagine só como é, então, deixar de se encontrar, na terapia ou diante de um espelho, para encontrar-se com alguém que não estará lá?!
Facada e sangue nos olhos me definem.

O tempo que se foi é como a água correndo pro mar, não voltará. Se ele se dobra, se é esburacado por caminhos de minhoca, se é inteiro? Isso eu aprendi na escola, mas jamais vi na prática - tal qual as matrizes da matemática.

Portanto peço, não tomes de mim o que não poderás devolver depois. Quebre-me porque posso refazer-me, mas não roubes meu tempo, porque assim tiras-me tudo.

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