terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Percalços no Percurso

Reconhecer o problema: um pneu furado; um vazamento; uma porta emperrada. A conta no vermelho; a exaustão física; a diabetes; o excesso de peso e as roupas que já não servem mais.Ter um problema não é agradável. Significa que teremos que, de alguma forma, sair da programação normal e dedicar tempo e energia – às vezes dinheiro, para solucionar o problema.

Por vezes percebemos que o problema na verdade era o início da solução: recentemente a antena da minha internet queimou. Desde então não tenho wi-fi em casa. Entristece-me o fato de não assistir filmes, mas percebi que nem os assistia tanto; mas passo menos tempo na internet e mais tempo comigo mesmo quando estou em casa. O fim de meus relacionamentos sempre foi uma oportunidade para me reconhecer e me reconstruir, com o legado deixado e com a superação do rompimento. Tinha um problema – que não podia me definir e nem paralisar.

Mas existem problemas invisíveis aos olhos. Aquela pequena rachadura na parede. A pinta nas costas que não vemos. A gordura que se acumula nas coronárias. O hacker roubando suas informações. O débito em conta de um serviço que você não usa, e não percebe. O vazamento de olho do seu carro, ou o vazamento de gás silencioso e inodoro no quarto da pousada. Pequenos fatos, que podem se desdobrar em tragédias – aparentemente não previsíveis, mas se olharmos de perto, os sintomas estavam ali, miúdos, suaves.

Para vê-los é preciso encarar-se, sem maquiagem, com lupas potentes e sem medo do que pode surgir. Às vezes percebemos uma alma profundamente doente, agonizante. Às vezes apenas uma criança com medo. Por vezes um adolescente rebelde, e cheio de si. Podemos carregar um navio em nossas costas se não nos olharmos de frente e percebermos a estreiteza de nossos ombros, e a fragilidade de nossa força.  

Miro-me. Como talvez nunca tenha feito antes; enxergo-me além do riso fácil, dos olhos sinceros como lagos limpos e cobertos de folhas no outono. Vejo além das curvas de meu corpo, e das marcas que deixei e deixaram em mim. Sou um ser pulsante, em movimento, em evolução. Sigo, mas preciso saber de onde vim, e onde estou para tomar a estrada e parar de andar em círculos. É preciso saber para onde não quero voltar, e onde não quero me demorar.     

Quero deixar em uma pedra na beira da estrada, ou em uma vala qualquer, os sentimentos que me tiram o prazer da jornada rumo ao desconhecido. Quero deixar a mala pesada de pensamentos e raivas inúteis em algum lugar, e que eles parem de puxar para baixo meus ombros, e enterrar meus pés em paradas que não desejo. Quero deixar para trás a agressividade, o desejo de controlar cada grão de chão, para que, assim, não sujem meus pés. Quero parar de afugentar possíveis companheiros de viagem, e aproveitar a viagem juntos, assim como a aproveito sozinha.                

Quero perdoar-me por ter traçado caminhos que me afastaram do que há de mais bonito em mim, essa vontade de ser bicho – de ser fêmea, de cuidar e de deixar-me cuidar às vezes. Quero permitir-me. Permitir-me parar às vezes, e aproveitar a cama macia em uma estalagem qualquer, ou perceber as gotas grossas e frias da chuva, que doem ao tocar minha pele, mas que não a rompem, não me afogam, e que fazem brotar em mim as flores mais lindas.                

Quero seguir a estrada com leveza, percebendo seus buracos e pedras, seus declives e aclives, sua lama e sua poeira. Não quero deixar de ver nada, e quero saber aceitar com amor a sombra que protege ou que me nubla, permitindo que eu possa chover. Os problemas serão resolvidos a cada curva, a cada parada, e às vezes em movimento. Por vezes pode ser que eu precise ser rebocada, abandonada à margem por meus defeitos. Saberei ficar ali, sabendo deles, olhando para eles, tentando solucioná-los a medida que trilho o caminho tentando encontrar o melhor de mim.  

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