segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Tudo em mim

Tudo em mim diz: cuidado, animal selvagem. Tento distanciar de mim qualquer um que não seja capaz de conviver, e quem sabe até admirar minha peculiaridade. Minha rotina atribulada só cabe quem tem a paciência de perceber que amo o que eu faço, e que tem a paciência de me esperar entre dias inteiros de trabalho. A quantidade exagerada de amigos diz que me relaciono, e que me dôo para quem se doa para mim. Apenas uma pessoa pode ter meu calor, que é fogo alto e constante; mas meu amor? Ah, esse se multiplica a medida que o semeio por aí.

Minha independência grita: não preciso de você, mesmo que nem sempre isso seja verdade, e às vezes eu me encolha sob minha estação de trabalho para chorar sozinha. Ou me sente no chão do banheiro enquanto o chuveiro lava as gotas de sal que banham meu rosto.

Meu cinco cães dizem que eu abdiquei do bom senso, que há pêlos por todo canto, e muito barulho: na minha casa, nas minha idéias,  no ritmo que bate meu coração. Não há silêncio em mim, não há muitos momentos de paz. É tudo correria e ansiedade. E elas se acumulam em torno dos meus olhos.

Meus olhos e as linhas que os cercam, coloridas pelas olheiras de quem fica acordada ouvindo o batuque do coração escrevem a clara mensagem: eu não tenho tempo para amenidades. Eu quero apenas o que valer a pena. Eu poderia cobrir o recado com grossas camadas de maquiagem ou procedimentos estéticos, mas gosto do que dizem e de como dizem. Maqueio-me com rubros batons, para dizer que meu coração é vivo, e que vou escrever-me por onde passar.

Meus cabelos? Expressão máxima de meu desdém para a opinião alheia. Eles berram a plenos pulmões: nossa beleza não cabe em padrões. Somos lisos, somos assimétricos, caímos para qualquer lado, e ela nos tira até quase pela raiz, como os dias fazem com seu sossego. Somos multicor, coloridos pela sensibilidade, pelo acaso, pela inexperiência.

Minhas curvas, gorduras localizadas e celulites sussurram,  apenas para ou ouvidos mais sensíveis, que guardo sob minha casca o que há de mais bonito: que sou toda amor e transparência. Sou intensidade e selvageria. Inteligência e delicadeza.

Sou um turbilhão cabendo em mim, e que não caibo em caixinhas, nas palmas de uma mão, nem um coração inseguro. Não sou para paladares simples. Misturo o doce e picante, e o amargor da vida me faz querer brindar.

Ar, sou furacão. Voe comigo, ou se destrua em minha força. Por isso tudo em mim é um convite a se afastar: poucos estão prontos para soltar as mãos e ascender, sabendo que podem não conseguir voar comigo, e que doloridos sofreremos: voarei novamente sozinha, enquanto o outro se observa sozinho ao chão. Mas se não se assustar voaremos como pipa, sem linha para prender, sem destino para chegar, remexendo toda poeira, retirando tudo do lugar.

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