E de repente, enquanto você caminha na trilha rumo a cachoeira, aquela tranquila, bem na entrada do parque, com área de camping e banheiro perto, você se depara com uma jaguatirica. Cê faz o quê, irmão? Eu me borraria toda. Pronto, falei. Essa seria a primeira reação do meu corpo, impensada, extintiva, primitiva.
Talvez ficasse paralisada pelo medo, com a esperança de que meu odor afugentasse a fera; ou que ela não me percebesse. Enfim, apesar de uma entusiasta da vida animal não humana, eu não me vejo tentando me aproximar de um animal selvagem - engoliria junto com o berro meu respeito e admiração enormes.
Gostaria sim de poder tocá-los; admirá-los de perto; reaprender um pouco do que esquecemos desde que silenciamos essa natureza da qual somos parte, e viemos viver nessa selva de pedras: de manadas corporativas e competitivas; de comida fácil, e pouco tempo pra se espreguiçar, e tirar um cochilo após o almoço.
A vida selvagem causa nos animais humanos reações diversas e até adversas: tem a galera que não quer nem saber - ignora existência da fauna - o que não deixa de ser bom, porque a apatia permite que as feras vivam em paz, em seu habitat. Labendo suas crias e rugindo para a lua.
Tem a galera que gosta de ver, que acha bonito - mas longe, na TV, nos filmes e documentários... As feras devem existir, mas bem longe, obrigada. É num cenário menos amistoso, que estão aqueles que querem caçar. Perseguem, trucidam, reduzem as belas criaturas a troféus a serem expostos em suas ricas salas. Drenam-lhes toda a vida, o viço; arrancam-lhes a pele, o marfim e tudo o mais que puderem. Não entendo o porquê: se é ciúme, inveja mesmo de tanta beleza a não lhe pertencer, ou se a necessidade de se sentir no topo da cadeia - ainda que apenas a alimentar, e olhe lá.
Há também um outro grupo, aparentemente menos perigoso, mas não se engane: eles não matam onças, lobos e jaguatiricas. Não arrancam os dentes dos elefantes; não assassinam gorilas; nem abatem baleias para bizuntar-se em seu óleo... Não. Eles lhes tomam a liberdade. Aproveitam-se da tenra idade desses seres, ainda crédulos, inocentes... ou lhes resgatam quando estão doentes, machucados e vulneráveis. Tratam lobos como cães, ensinam-lhes a mamar em suas mãos. Tratam leoas como belas gatinhas manhosas, comprando-lhes laços, fazendo-as ronronar com chamegos, e caixas que parecem cabê-las.
Elas desaprendem a ser quem são, esquecem seu extinto; perdem-se. Aos poucos, a baleia que nadava soberana pelos mares se entristece, tem sua alma livre atrofiada - morre, se não em corpo, pelo menos em essência. A águia, antes veloz e caçadora já desconhece suas asas, cortadas e curvadas - arrancaram-lhe quase tudo.
Poucos são aqueles que sabem apreciar um animal selvagem em seu esplendor: sua fome, selvageria e beleza. Seu andar arisco e curiosidade comedida. Poucos são aqueles que veem um pássaro delicado sem querer aprisioná-lo. Mal sabem que o canto é mais bonito quando é de alegria, de liberdade. Não percebem que o pouso de confiança é melhor do que o claustro. Poucos são aqueles que querem conquistar a confiança de uma bela fera. O risco é alto e as garantias? Bem poucas.
Entretanto, imagine-se ao lado de uma magnífica girafa, ambos a caminhar confiantes pela savana. Imagine uma sagaz coruja a visitar-lhe diariamente, e a comer em sua mão, não porque precise, mas porque confia em ti o suficiente para fazê-lo.
Selvagens como feras, somos muitas por aí - ignoradas, temidas, difamadas, caçadas, condenadas - onças que se espremem em caixas, para caber em um lugar que não é nosso. Somos silenciadas; temos nossas asas arrancadas; e, infelizmente, não é rara nossa extinção definitiva. Troféu, ou carcaça abandonada para adubar o solo.
Mas você, que tem um espírito aventureiro se debatendo dentro de ti, anote aí, nobre rapaz: é preciso coragem para amar uma mulher selvagem. É preciso um gosto um tanto exótico, e uma força animalesca - mas é uma dádiva mundana, concedida a poucos, que vale ser apreciada.
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