sexta-feira, 18 de maio de 2018

Tô namorando aquela mina.

Há pessoas que passam pela vida sem nunca encontrar seu grande amor:  às vezes estão muito ocupadas tentando sobreviver à miséria, à guerra,  à doença.  Algumas simplesmente se acostumaram à vida sem grandes emoções, e preferem continuar assim.  Outras vão dando cabeçada às cegas por aí, não abrem os olhos e não levantam suas faces para observar o mundo ao redor. 
Após trinta e quatro anos de vida, e muitas cabeçadas e profundas dores, poços e desilusões, eu encontrei o meu. E para minha surpresa, o grande amor da minha vida não é um homem alto, moreno, bem sucedido profissionalmente, sorriso bonito, mãos grandes, bom de cama, beijo quente-lento-demorado, fiel, divertido, companheiro, que cozinha comigo, dança comigo, e tenta estar comigo nas situações mais divertidas e também mais adversas. 
O amor da minha vida não é um homem com quem passo horas falando sobre filosofia ou sobre os carrapichos nos pêlos das ‘crianças’; não é alguém com quem eu discuta sobre filhos, religião, e nossa próxima viagem. 
Mas ELA é linda. De uma beleza pouco óbvia, diferente daquelas que param o trânsito. Tem um sorriso aberto, e uma gargalhada estranha e escancarada. Seus cabelos inconstantes estão sempre fora do lugar quando ela acorda. Tem os pés de quem teve uma infância feliz, andando descalça, sem se preocupar com bichos de pé e cacos de vidro. Seu corpo tem as imperfeições de alguém que prefere se entregar aos prazeres bacanas  que essa vida tem a oferecer, que passar horas na academia: cerveja boa, vinho tinto, um pão quentinho saído do forno, chocolate meio amargo, e horas esborrachada do sofá jogando conversa fora. E sou apaixonada por seus joelhos tortos e ralados; sua barriguinha positiva e braços roliços capazes de carregar o mundo por aqueles que ela ama. 
Ela é cercada de amigos, e é apaixonada por eles. Meus olhos brilham ao perceber o exército do bem de ótimos amigos que ela carrega. Ela quase nunca está sozinha, mas isso jamais vai incomodar quem a amar de verdade. Afinal ela é apaixonada mesmo, por seus amigos, trabalho, bichinhos, tudo: do origami que ganhou de uma amiga a blusinha de dez reais que acabou de comprar no centro da cidade. Ela é solidária, e sente um prazer enorme em poder estar disponível para o outro. Ela sabe que o bem e o mal são nossas escolhas, e nossas atitudes, e ela escolhe, muito bem, ser o bem todos os dias, antes mesmo do sol nascer. Mas ela não é mansidão: o tempo fecha, e ela vira tempestade: chuva torrencial de verão, que arrasa, inunda, lava. Mas que passa rápido, trazendo sol, calor e um perdão fácil, se o outro assim o desejar. Ela é impermanente, em suas idéias, convicções e humores – e daí? A vida também não é? 
Ela canta, dança, se entrega a música – que às vezes só ela escuta – e sem se importar com seus talentos e com o que os outros vão pensar. Gosta de conhecer músicas novas, e as canta sem se importar se são boas ou ruins. Enquanto canta esquece da casa empoeirada, da roupa para lavar, do mato que cresce no quintal. Talvez seja só amor, mas meu coração pára quando penso no que ela passou até chegar aqui, e poder ser quem é: amor, alegria e intensidade da cabeça aos pés. Ela é mulher quando se joga na cama, e  pivete quando, em seus trajes rasgados e sujos assiste TV deitada no chão. É fortaleza quando resolve tudo sozinha sem pedir ajuda, é pérola frágil quando chora pedindo um toque morno de ajuda. 
Ela me leva apenas aos lugares que eu amo; cozinha as comidas que eu gosto; dirige com cautela, me levando sã e salva para onde quer que eu precise. Ela me dá os melhores presentes: e acerta sempre. E nossas viagens – sejam as da cabeça ou as geográficas – são sempre as melhores. Acordo todas as manhãs e sinto sua pele, e seu cheiro – a olho de frente e seus olhos me miram com mesma intensidade: me vejo no espelho e percebo que pela primeira vez consegui me apaixonar por mim mesma, que não sou perfeita, mas que sou demais. Que sou um oceano e não mililitros de água que vão caber em qualquer copo. Eu sou assim, e me amo profundamente assim, e não como gostariam que eu fosse: adequada, doce, contida, sem marcas na pele e impulsividade. 
Portanto, acabou o suspense: quando me vir por aí, e se perguntar o que há de diferente em mim (Bonita? Risonha? Ainda mais falante) a resposta é simples: estou amando – o amor próprio do qual eu havia me privado até aqui, eu não sabia ser diferente. Não nos ensinam a nos amar, apenas nos preparam para sermos adequadas a nossa família, filhos e maridos. Estou em um relacionamento sério, e para sempre comigo mesma, mas se o cara do segundo parágrafo aparecer, aceitamos participação especial!

Foto: Gio Coppo

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