Hoje
eu tive medo de morrer sozinha.
Depois
de meses de choro, chorei hoje de alegria. Vi minha essência
retornar para mim enquanto lavava a louça e ouvia meu cantor
favorito: cantei aos berros e dancei sozinha no meio da cozinha.
Senti que poderia ser feliz, genuinamente e comigo. Permiti-me ir lá
fora, olhar para cima e deixar o sol me esquentar a face e me encher
de vitamina D.
Limpei,
lavei, organizei – deixei que o exorcismo fosse completo. Cozinhei
tudo o que havia na geladeira – berinjela, pimentões, baroa,
quinoa, beterraba… parecia um recomeço perfeito. Senti prazer ao
olhar para área externa e vê-la limpa, apesar de destruída pelos
meus cães.
Estava
em êxtase divino, em outra dimensão – sabe aquela felicidade que
a gente tem quando alcança um objetivo; quando se vê diante de uma
paisagem enebriante, ou quando o filho da puta do contatinho que
você é super afim te manda uma mensagem ou responde a sua de forma
fofa - não com aquela secura que você precisa passar até um creme
hidratante para ler? Pois era essa a sensação. Passei do divino ao
humano, que precisa fazer aquele xixi básico, de um segundo para o
outro.
Pois
eu acabara de tirar uma travessa de caponata de berinjela do forno,
que serviria de recheio para uma bandeja de cogumelos porttobello,
comprada no dia anterior. Corri para aliviar minha bexiga que parecia
apertada por um Exu, apesar do exorcismo.
Antes
que pudesse terminar meu xixi, ouço um barulho na cozinha – ploft!
Corro, me abotoando que qualquer jeito para saber se algo explodiu,
se algum cachorro pulou janela adentro, ou se um Poltergeist
resolvera me pregar uma peça: não, não. A cachorra devoradora de
mangas ubá resolveu experimentar minha caponata de berinjela. Tudo
bem, eu sei que meus cães não são confiáveis: mas eu não demoro
nem dois minutos para fazer um xixi: no trabalho coloco minha marmita
para aquecer por dois minutos e meio, saio, vou a casinha, e volto e
o micro-ondas nem apitou ainda. Pensei que a demônia não
descobriria a travessa fervilhante nesse tempo. Pois ela não só a
descobriu como, sabe Allah como, puxou a travessa da bancada. Perdi
toda a caponata e também a travessa, que se quebrou em centenas de
pedaços – como meu coração ingenuo.
Além
da raiva de ter perdido tempo picando cada ingrediente, revirando-os
no forno durante mais de uma hora, sem sequer ter experimentado o
resultado, fui tomada pela preocupação: a cachorra aspira comida
com uma velocidade superior a velocidade do som, ou seja, quando ouvi
o 'ploft' ela já poderia, facilmente, ter engolido uns dez cacos de
vidro. Fiquei olhando para ver se o estorvo começaria a por sangue
pela boca, ou se eu precisaria soltá-la na rodovia para solucionar o
problema. Spoiler alert: ela agora dorme tranquila, e peidando,
enquanto eu sofro as consequências das guelices que ela me apronta.
Isolei
a área, e pus-me a recolher o lixo em que se transformou meu prato.
Recolhidos os cacos – da travessa, não os meus – joguei sabão
no chão, enquanto terminava de lavar a louça, para terminar de
limpar a sujeira de Diana. Terminei a limpeza com meu cóccix e
minhas costas. Caí no chão, como caí na real de que me apaixonei
pelo contatinho, que não está nem aí pra mim – diferentemente
dos tantos outros caras que ficam no meu pé, me achando doce como
sorvete, sem perceber minha frieza.
Gritei
de dor. Fiquei no chão pensando que iria morrer ali, sozinha. Que
depois de alguns dias, com fome, meus cachorros quebrariam as portas
de vidro e viriam se alimentar do meu corpo putrefato, ainda não
descoberto pelos vizinhos. Gemi enquanto tentava me virar, e
perceber se conseguia mexer minhar pernas. Sério: sou super
resistente a dor – tenho oito tatuagens; já tive piercing em
vários locais 'doloridos'; tive apendicite e fui trabalhar no dia, e
caminhei meia hora de um trabalho a outro, antes de ir ao hospital e
ter o diagnóstico. Tive a orelha quase arrancada por um cachorro
vadio – mas essa dor era excruciante.
Consegui
colocar-me de pé, e resolvi que aquela queda não me jogaria
novamente no chão: e é verdade, dele ninguém passa. Escrevo isso
sentada sobre uma bolsa de gelo, com os fundos bizuntados de gel
hidro-alcolico, e com o sorriso no rosto de quem teima em acreditar
que no fim tudo dá certo; e se sobrevivi a queda do paraíso, não é
bater num chão de granito que vai me tirar de circulação.
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