terça-feira, 20 de março de 2018

Ela

Apenas um louco não a quereria; somente uma alma quebrada a deixaria ir. E só sendo um insano em frangalhos para fazê-la sofrer. Quis o caos que seus destinos se encontrassem, e ele a desviasse de si mesma e a fizesse se perder. Descartou-a as margens de sua estrada como a uma guimba, que de tão usada se exauriu. Mas ela era toda chama: dos cabelos rubros que ele tentou apagar, aos pés descalços e vermelhos do chão por onde andara, sem jamais fincar raízes por demais profundas e imobilizantes.
Era fogo e não cinza, e se alastrou.  Era céu pesado em tardes de verão, e desabou causando a cheia.
Era como a lua, que mingua para se encher depois de luz, e nada conter, e tudo contar.
Somente um louco para não querer tomá-la nos braço: ela que é tato tatuado, fato consumado, livro escancarado.
Um triste para não não acompanhá-la: ela que dança ao som do vento, e que batuca desafinada em seu coração de carnaval.
Somente um perdido para perdê-la, ela que é raio em noite de tempestade, lampejo de luz na penumbra, pirilampo na beira d'água, incêndio de copa na floresta.
Somente um doente para não rir de sua gargalhada, com sua gargalhada, que a dobra ao meio, mas que não cabe em lugar nenhum: verdadeira, escancarada e sem vergonha.
Somente um estúpido para não ver sua sapiência, ávida por mais;  conhecimento que se espalha e acolhe.
Apenas um homem de lata, de nada, não reconheceria seu coração: bravo, partido, pulsante, e aberto - mas sem liquidação.
Quando estiver pronta, seus olhos profundos a revelarão e amor que descobriu por si, poderá ser novamente revelado - não o desperdice, pois ela é rio que gargalhada, e não volta do mar.

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