quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Caro e custoso

Vínculos são custosos. O custo implícito, financeiro ou não, é altíssimo. 
Quanto se gasta com um Uber? O gasto é esporádico, curto. Nem damos valor. Mas manter um carro, no seu nome, demanda muito: impostos, seguro, manutenção. Preocupar-se com a limpeza; se tem água no reservatório; calibragem de pneus; abastecer. Onde estacionar. E é preciso ter carteira de motorista. Quantas preocupações! Mais fácil pegar um Uber, ou usar o carro do pai. 

Casa? Para quê? Tem infiltração; toneira da cozinha que não sai água; IPTU; limpar as calhas. Meu deus, o telhado está cedendo, e as trincas aumentando! E eu ainda nem terminei de pagar... A casa.

Cachorro? Solta pêlos, come nossos objetos. Tem que dar vacina, levar ao veterinário. E é tudo tão caro. E depois que eles morrem, a gente fica num sofrimento! Melhor não tê-los. Evitar custos, sofrimentos. 

Filhos? A esses são ótimos, ficam lindos nas fotos, nas festas, nos fins de semana. São ótimos pra dias de folga, quando tá tudo lindo! Mas tem que acordar a noite, sacrificar a vida profissional, a saúde mental, é pro resto da vida. Já viram o preço de fralda, escola, nebulizador, roupa, brinquedo, livro, terapia? Ah, eles vão precisar: porque no fim, vai ser tanto trauma causado pela gente. Esse vínculo pro resto da vida... Hum, num sei que quero. Preço alto, alto risco. 


Família? Nem vou começar. Pagamos com a alma, mensalmente, ou diariamente - depende da convivência.

Relacionamento? Os laços de um relacionamento precisam ser constantemente refeitos, revisitados. Tem que conversar, escutar, entender o que se sente, decodificar pro outro - burro, que nada entende - e debater. Isso de olhar pra mim, olhar pro outro é caro demais. E o outro nem me é tão caro assim...
Não, não, não.

Talvez os vínculos empregatícios, por um tempo curto, até que um melhor se apresente, e possamos ir trocando até que... sei lá, a conta no banco esteja mais robusta, e eu possa pagar custos mais altos. 

Entendo quem não queira vínculos. É muito mais fácil, é mais suave. Sem vínculos evitamos vincos profundos em nossa pele, cicatrizes sangrentas em nossa alma, preocupações que nos impediriam de entregar aquele projeto da empresa na data certa, ou comparecer pontualmente na entrevista. 

Dá trabalho demais caminhar do lado, trazer pra si. É difícil saber o que nos é caro, se vincular; trabalhar para que os laços se façam sem estrangular nada, nem ninguém. Estar ali para aquilo que nos é caro é custoso demais. O preço é realmente muito alto.

Precisamos, nos deslocar do ego, e entender o outro. E ter compaixão e empatia. E despender dinheiro, às vezes muito mais do que temos, e tempo - que também é dinheiro, que também é tempo (que é vida contada em minutos ou em horas, ou em dias - qual a sua carga horária?)


Suspiros. Estou cansada. Sou uma mulher que vive nos laços. As vezes, os seguro tão firme que as mãos sangram. E os nutro, os cuido - não por ser dona deles, mas por saber que eles me definem. É onde o outro me toca, e me desafia, que eu germino.

Entendo que é mais fácil ir, ser fulgaz, acabar antes mesmo de começar - afinal, se o fim é inexorável, o desgaste, o cansaço e a luta são opcionais. 

Mas é que prefiro o enredo ao fim da história. Gosto de comprar o livro, virar as páginas, 'perder' meu tempo pra saber o que vai acontecer. Gosto dos vincos das páginas, e dos vínculos da vida. Caros. Custosos. Dolorosos. Moro, e morro, nos vínculos, nas alianças - mesmo naquelas que jamais chegaram a existir.








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