segunda-feira, 10 de outubro de 2022

antes



Antes. Antes eu olhava uma mãe e via um mundaréu. Uma mulher que sabia de tudo,  cuidava de tudo, e raramente chorava. 
Ela era alguém que me ensinava o dever de casa, sabia meus pratos favoritos, e me fazia todo ano um bolo de aniversário. E apesar de brigar comigo, sempre a via com os lábios cheios para falar de mim. 


Depois, mas ainda antes, eu via ela, minha amiga, sempre tão menina, ou tão doidinha, ou tão ela, já não tanto como antes. Ela era mãe, e era pra mim uma incógnita - mas eu tinha certeza: ela sabia. Sabia do que estava fazendo. Aquela pessoa, ali na minha frente, com quem eu tinha dividido cerveja, cigarro, ou crises de riso agora era capaz de transformar uma meleca gosmenta em outro ser humano, e alimentar aquele ser humano com seu próprio corpo. Ela era aquilo que eu não poderia alcançar.


Então depois, ou talvez agora, eu tenha percebido - não temos superpoderes, além de ser sempre a última a dormir, a comer, ser aquela que fica quando todo mundo foi pra praia, pro mato, ou pro brejo. Além de sorrir, enquanto o coração tá em pedacinhos, e quando seu bebê te seca a lágrima que escorre gorda dos olhos, com aquelas mãozinhas, o abraçar e dizer: mamãe tá lavando os olhos. 
Talvez tenhamos também o poder de acreditar no amanhã, aquele onde nossos filhos vão ser mais felizes que a gente.

Mas de resto, somos carne e osso, e erros. Somos mulheres, e humanas, fazendo escolhas que não temos a mínima ideia de como irão se desdobrar. 
Geramos vida, parimos. Sobrevivemos a puerpérios solitários, e sombrios. Somos colo, mas somos erro. 
Eu olhava pra uma mãe e dizia: ah, mas ela é mãe, não pode fazer assim. Mas eu vi, em mim, e também nela, a falha, o erro, a fenda, rachaduras profundas, chagas incuráveis. E nossos filhos, ah, talvez eles nos deixem ainda mais humanas, bobas, quase cegas. Eu sei. 
Talvez nosso maior superpoder seja ser mãe, apesar de toda nossa humanidade, e aprender a seguir na escuridão, guiada apenas pelo amor. 

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