Existem casas assombradas. Lá, nem as
aranhas querem tecer aquilo que lhes dá na teia. Os porões são trancados a sete
chaves, as escadas de acesso foram queimadas, e suas janelas emparedadas. A mobília
foi um dia destruída por cupins, e as velhas cortinas esfarrapadas pelo vento,
que já não tenta arejar seus cômodos – nem as traças querem saber dos retalhos então
deixados para trás.
As manchas
nas paredes contam histórias, as rachaduras e tantas outras marcas também. A água
tenta insistentemente entrar, infiltra-se, lavar dali, de fora para dentro, ou
de dentro para fora, todos os assombros, ainda que para isso, tudo tenha que destruir.
Mas tudo está lacrado.
É no sótão que os segredos se amontoam,
fantasmagóricos, insanos, amorfos. Encaixotados tão organizadamente que se
esquece que eles estão ali. Ocultos como um vírus resistente, eles tudo adoecem e destroem. São eles, fantasmas deformados e também sem forma, que
moram nos pensamentos mais recônditos. Pouco se lembra de como foram pousar
ali.
Em quais
traumas pegaram carona para ali virem fazer morada, definitiva e destrutiva
como uma doença incurável? Invadem cada pedaço de terra, mesmo que encobertos
sob os tapetes outrora ricos, e hoje tão empoeirados, que sequer se diferem da
madeira solta do assoalho.
Lares assombrados,
corpos possuídos por demônios que insistimos em carregar. Assomam-se pesados em
nossos ombros, agrilhoam-se famintos em nossos tornozelos, alimentando-se de nosso
falso senhorio. Fingimos que os controlamos, que podemos mantê-los em nossos cantos
e caixas, mas são eles quem jogam dados com nosso descaminho. Não existe
exorcismo quando estamos possuídos por nós mesmos. É a dor que nos arrasta as
cadeiras; é o antigo sentimento de abandono que sopra o vento gelado, que não permite
que a lareira seja acesa, que as mãos se aquecem, e que os pés deixem de ser
frios.
É a raiva
presa, exilada em esquecido canil que se torna selvagem, e quase mortal. E para
quem apontamos esta letalidade? Nossos fantasmas não morrem por inanição quando
os guardamos, ignoramos, ou tentamos domá-los. Eles se tornam senhores vorazes,
desgovernados – transformam-nos em carrascos de nós mesmos.
Nossos demônios
nos possuem, e pronto. Não os controlamos, e assim também eles não deveriam nos
controlar, com suas unhas amareladas que se quebram ao se agarrar ao solo. Não.
Tente controlá-los e eles te sugarão para um redemoinho em águas profundas de
onde possivelmente você não conseguirá sair sem antes se afogar. Tire seus demônios
para dançar, seus medos, suas mais animalescas emoções. Sim, convide-os todos
para se sentarem contigo a sua mesa de jantar, sirva-as de boa comida e bom vinho,
tire sua melhor louça do armário para servi-los, ou coma, sem cerimônias, com nuas
mãos.
Não esconda o
que te assombra, vista-se com seus retalhos, enfeite-se com eles. Ao vento, o
cheiro de mofo é menos opressor. Abra as portas do último andar, jogue fora o
que conseguir, deixe ir. Espalhe as caixas que ficarem, o solo não vai ruir se
você souber equilibrar todo esse peso que acumulou sem saber.
Escancare a tragédia que acontece entre suas paredes,
negá-las não impede que ela aconteça diariamente e lhe roube o sono. Todos nós
carregamos nossas posses e possessões, acumuladas, vividas, tatuadas em nossa
carne.
Negue seus fantasmas e demônios, e eles lhe assombrarão para
sempre, mesmo que ninguém os veja. Convide-os a sua mesa, a sua cama e eles
deixaram de ser visita desagradável – serão meras manchas brejeiras na madeira envelhecida
da sala de estar.
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