segunda-feira, 15 de abril de 2019

Dividamos

Categorizo-me como uma mulher heterossexual curiosa. Já beijei algumas meninas, mas a verdade é que a esperança de achar uma que me faça mudar de time me cega para o fato de que eu gosto mesmo é de me enroscar com 'os boy'. Apesar de não me sentir fisicamente atraída pelas 'mina' é com elas que compartilho as melhores experiências da minha vida: risadas, noitadas, porres, conversas sem censura. É com elas que compartilho o amor em sua forma mais bruta, e mais linda: a amizade.

Assim, sou uma heterossexual curiosa, com profundas tendências homoafetivas, ligadas a sororidade, empatia, admiração, e mais uma tonelada de atributos. Ainda com toda essa bagagem, me pego às vezes ouvindo música pop e sonhando com um boy pra chamar de meu. Critico-me até a pinta que tenho no segundo dedo do pé direito por isso, mas o que posso fazer, se fui criada e instruída para querer um benzinho para experimentar a vida ao meu lado; se meu corpo me manda sinais frequentes de que apenas a endorfina proveniente da alegria que minhas irmãs me trazem não será suficiente para suprir todas as minhas necessidades físicas?

Fiquei pensando no tal relacionamento bonitinho, e pensei: vai rolar não. Na cidade onde eu moro deve ter umas cinco mulheres, em sua maioria lindas, inteligentes, independentes e destemidas para cada homem. E eu podia parar nesse argumento. Acabou o texto.

Mas vou continuar. Desses homens, que já tem um séquito de cinco mulheres, do caralho, pra escolher, tem uns que a gente não pega nem a base de muita droga pesada: seja porque a gente já pegou, e não quer repetir a figurinha no álbum (tem uns que a gente quer fazer um álbum só dele, de tão 'credo, que delícia' que é); seja porque nossa amiga já pegou e levantou a ficha técnica do moço; seja porque ele votou 'naquilo que o gato faz e enterra' e repete todo um discurso de ódio que a gente repudia mesmo tentando ouvir com orelhinhas de amor. Enfim, tem os manos impegáveis. E tem também os impecáveis, que a mulherada toda quer. Inclusive a gente. Eles são tudões - inteligentes (não apenas intelectualmente, e principalmente emocionalmente); abertos ao novo, ao diálogo. Beijam bem, transam bem. Ligam no dia seguinte, respondem às nossas mensagens, mandam mensagem para falar de nada; acreditam no que a gente fala, não são prepotentes e portanto não se julgam mais informados sobre nós que nós mesmas: aceitam quando dizemos que estamos felizes, calmas e que não queremos beber ou transar ou sair. Ah, eles são sinceros e diretos, sem ser uns ogros.

Então é isso, um tanto de mina legal, pra uns quatro ou nove tudões. Mesmo sendo formada em letras, fiz os cálculos aqui, e vi que até com a margem de erro do Ibope, essa conta não fecha. Cada um vai ter que pegar pelo menos umas 1.349.

É isso amigas, vamos ter que começar a dividir os bofes. Sei que nossas mães nos ensinaram que deveríamos achar o amor de nossas vidas, e que nós seríamos o amor da vida deles também, e como um casal de pinguins, desfrutaríamos até o frio polar lado a lado, e felizes. De minha parte sou naturalmente monogâmica, nunca traí um ficantezinho sequer. Se tô sendo tratada com respeito e carinho; se não tentam me botar cabresto; me sentam no colo como a menina levada que sou, eu fico sossegada. Nem preciso ver o amado toda semana. Não preciso conversar todo dia. Tô de boa. Mas esse trem de monogamia é para almas velhas feito eu. Os tempos são outros, de poucas opções interessantes, de sustentabilidade, de Uber, de Airbnb, bicicletas e patinetes elétricos compartilhados, é época de parar de acumular e investir em experiências. A gente resiste, afinal toda novidade traz desconforto no início - e às vezes a adaptação se mostra infrutífera.

Confesso que para alguém que teve um relacionamento de cinco anos, e outro de onze - nesse eu dividi o bofe, mas sem saber - eu acho que estou até bem aberta. Logo que me vi fora de um relacionamento formal eu tive uma paixonite crônica, uma delícia. E ele era desses tudões, que a gente tem que dividir. Eu o dividia com outra mocinha, e não tinha problema nenhum com isso. Mas tive uma recaída pelo tradicionalismo - troquei tudão compartilhado por um amendoim exclusivo, me dei mal. Ainda não tinha me visto completa e sentia que precisava de uma parte que faltava em mim. É claro que o amendoim, teve uma colaboração em meu crescimento pessoal, trazendo-me um passo, ou seriam dois centímetros, mais perto desse momento - quando eu consigo enxergar um relacionamento aberto como possibilidade.

A grande sacada é que vejo hoje o respeito e o diálogo, características sempre essenciais em minhas relações, com olhos mais maduros. Vejo a realidade das relações modernas com mais clareza. Somos seres completos, universos que se expandem e se tocam - é com esses universos que quero dividir meu tempo e espaço, não me importando se tenho que dividi-los com outros universos não menos interessantes que eu. E mais uma vez eu digo, o mundo está cheio de mulheres fantásticas. Enquanto encerro esse texto, uma vozinha, agora quase um sussurro, o som de uma idosa que ainda sonha com o amor diz... Mas e se você achar um tudão tão preguiçoso para a conquista quanto você? E eu digo... Só vem.

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